A tua última viagem poderá ser o meu
primeiro regresso. Não sei quem conduz
quem. Há em nós uma dança imperceptível,
os dois imobilizados no ponto de embraiagem
perfeito, os dois articulando, a cada curva
desfeita, os acordes dos gestos que nos afastam
e nos aproximam das paisagens imprevistas,
dos percursos dos dias, em trânsito,
que fazem de nós uma estrada.
A tua última viagem, já sem o musgo
à volta do farol que iluminava, intermitente,
esse ponto morto que é o meu coração,
mas ainda com as veredas, ainda com as fugas,
de óleo e de todas as espécies, que me deixam
sempre em desalinho, em desconcerto,
desmerecendo quer a vertigem,
quer a resignação.
A tua última viagem, destino de abate,
deixa em mim a fragrância de um amor
que não tem horizonte, a decomposição
dos excertos de frésias, das calendas gregas,
não das romanas, e dos múltiplos aforismos
que murmuram a cal apagada, a cal que
se submete à acção da água, branca
e inodora, a que reescreve a acidez dos solos
e a do silêncio com que me distancio
no teu espelho retrovisor, sobretudo ele,
acidulado por esta melancolia que nos
indefine.