Recordo como se fosse hoje o que me levou a enveredar pelo meu caminho profissional. “Obrigado pelo teu entusiasmo”, disseram-me uma vez, o que me fez imediatamente sentir nua na cama, enquanto o olhava a vestir-se. Percebi nesse momento que não teria pequeno-almoço grátis no hotel. Estava incluído, mas o que não estava incluído era a companhia. Fiquei só com o meu antigo entusiasmo, agora que sabia que a alegria foi só minha. Neste momento, tive a revelação de seguir o caminho da alegria profissional. Ao contrário da alegria espontânea, a alegria profissional não morre. A alegria profissional não muda de ideias, e oferece certezas a quem a busca. A única coisa necessária para seguir este caminho é o estabelecimento de limites. A criação de uma caixa que define o que pode ocorrer, com quem e como. Não o vou negar: ter uma tabela de preços ajuda-me a mim e aos clientes. Tornar o meu corpo uma carcaça com partes catalogadas torna tudo mais objetivo e salva-me da ambiguidade. Mamas, 10 euros; boca, 20 euros; pacote completo de orifícios, 200 euros. Sou a melhor no meu trabalho. No meu trabalho, posso oferecer sorrisos. No meu trabalho, posso ser genuína, porque há um novo eu que presta o serviço. Quem disse que não pode haver alegria no trabalho, nunca trabalhou. Nunca aprendeu as virtudes de saber que uma missão dá um rumo a quem vive, e a minha vida agora é estimular os desejos dos clientes para ficarem satisfeitos. Dizem que a alegria é contagiosa. Pude verificar várias vezes que sim, desde que não seja dada. A alegria contagiosa é aquela sentida como um brinde na transação comercial, um extra. O extra que faz tudo valer a pena. O sorriso alcoviteiro da empregada de mesa que me incentiva a mais uma bifana, que mete uma sobremesa com o fino só para eu a ver vir para mim mais uma vez. Este sorriso não tem preço, mas a bifana, o fino e a sobremesa, têm. Sem preço as pessoas ficam desorientadas. Como poderiam as pessoas suportar aquela mulher bela a levar-lhes bifanas sem preço? Não se pode sorrir numa repartição das finanças, ou em qualquer outro serviço público. Se aquela mulher sorrisse ao entregar bifanas num hospital, estaria tudo perdido. Provavelmente seria alvo de uma inspeção sanitária a saber, afinal, o que tinham aquelas bifanas que levam as pessoas a sorrir.
A transação comercial, pelo menos hoje em dia, sossega as pessoas sobre os bens a serem transacionados. Quando eu quero causar desassossego, é só dizer que não levo nada. Assim crio nos outros uma incerteza ontológica da qual é impossível escapar. Então ela não vale nada? Então eu não valho nada? Se ela não vale nada e eu não valho nada, então nada vale nada, ou pior, é perigoso, uma armadilha, uma cilada.
Hoje já não faço isso, porque não gosto de ser cruel. Comigo é só contas saldadas. O que guardo para mim é a alegria espontânea. Visto-me de velhinha e vou às matinées. Causo a comoção do jovem na bilheteira, que me faz um desconto extra enquanto pisca o olho, quando são filmes um pouco ordinários. Só então lhe posso devolver o meu melhor e mais genuíno sorriso, porque nenhum de nós tem nada a perder. E até hoje ele nunca me disse “obrigado pelo entusiasmo”.