Não acontecia nada no jardim. O atraso do Verão fazia-se com as flores abertas à chuva e os insectos a passearem-me no corpo à procura de uma falha, de um erro, de um rasgo na espessura da pele, de uma caverna onde esconder a fome que os guia numa procura incessante pelo jardim. Neste lugar quieto, os frutos apodrecem ainda antes de incharem redondos e explodirem no chão, onde azulam de verde. Cobrem o solo das cores acirradas do bolor que envenena e anuncia que não basta morrer e cair no chão para se falar em fim. Os insectos aguardam andando nas pedras, cavando túmulos, mastigando-se uns aos outros, cuspindo o que não é sumo e tudo o que não escorre sem esforço, sem arranhar a garganta. Quando se levantam as pedras, apressam-se a deslizar na terra húmida e porosa, lambendo as raízes nas profundezas de um mundo que nos é alheio ― só descobrimos a raíz quando arrancamos a árvore do chão, e isso é um problema para quem deseja apenas esse prazer enorme de colher frutos. Mas tudo isto é mera capacidade da escrita na efabulação do mundo, pois nada acontece debaixo do hálito morno e pesado que se atira sobre esta tarde. O tempo só se revela de cada vez que cai uma pétala de uma árvore, juntando-se ao manto molhado arroxeado que cobre o cimento e guarda, ainda, o orvalho tardio de uma manhã extensa. Tirando esse movimento descendente, nada mais acontece no jardim para além da impaciência dos pequenos animais. Nada, nem o Verão. Há um ramo no chão. Não se passa nada. O ramo cria uma sombra. Não há nada para escrever. Porém, tudo se apresenta à descrição. Tudo é descritível. O limoeiro de onde pendem redondos contornos solares, o muro que desenha o limite da casa, o fio suspenso que espera pelo pousar de um pássaro qualquer. Contra a ausência de motivo para a escrita, o jardim recebe os insectos e as palavras. Detenho-me no intervalo que antecede a ronda de um gato para me entreter com a urdidura da erva e a forma como esta se contorce e entrelaça com a própria sombra. Desinteresso-me da acção quando me foco na sombra de cada estilhaço de jardim. De repente, tudo contém o seu duplo negro. As folhas, os vasos, as crianças, todos reclamam a si um avesso de luz contra o estio, uma mancha desenhada para vincar a posição de cada um contra si.
A melancolia não é um refúgio. É antes uma clarividência, a propensão para ver a falha numa superfície. A noção de que devemos ser cautelosos perante a beleza do mundo, porque sabemos que ela contém em si a sua desolação ― um fruto que apodrece no chão enquanto o Verão não chega.