A Sara era irmã da Marta que era prima da Raquel que era irmã da Isabel que era prima da Rute que era irmã da Madalena que era prima do Paulo que era irmão da Lídia. Todos eles eram vizinhos da Maria que não era irmã nem prima de ninguém e acabava a escaleira fotográfica com que a objetiva do tio padre os captava.
O caso que os envolveu deu-se depois da revolução de Abril, em 1974, quando os cobertores 70% nylon-30% lã, com acabamento acetinado avivando a tonalidade que subjugava o todo, substituíram os de papa e eles experimentaram uma sequela revolucionária no palco onde se jogam todos os poderes ingovernáveis e, por isso, os mais fundos e antigos. Uma revolução sentida através de manifestações ondulatórias como se o cobertor fosse a pedra lançada às águas de um lago.
Os de papa caíam-lhes com um branco-sujo assemelhado ao desperdício têxtil que os mecânicos usavam para limpar as impurezas dos sistemas avariados; os de papa eram a pele velha de animais femininos, uma excrescência, como o ranho ou as fezes, associações que lhes causavam a aversão responsável pelo fervor com que aderiam à introdução do novo item 70% nylon-30% lã. Expondo pores-do-sol de cores artificiosas e psicadélicas que abriam caminho a um gosto débil ou padrões exóticos apresentando compridos tigres-da-tasmânia que os cobria da cabeça aos pés, este chegava-lhes leve sobre os seus corpos miúdos, assim libertos para movimentos nocturnos, e ganhava em macieza aos de papa que, mediados por um lençol, ainda conseguiam provocar certa urticária nas peles mais graciosas.
Tais sugestões, que traziam a marca de um erotismo velado, acordaram neles a curiosidade sobre dobras e pregas, reentrâncias e protuberâncias do corpo e do que elas mostravam e escondiam.
A Sara queria que a paixão a tomasse e lhe queimasse a pele como o sol das 13h em pleno Agosto; a Marta dizia que beijar era deixar que a boca se tornasse num imenso aquário onde outra língua entrasse como peixe nadando em todas as direções; a Raquel explicava que os mamilos tocados se comportavam como o bicho Maria-café enrolando-se, enrijecendo-se, e que isso sabia bem; a Madalena desejava ser mãe e contava que entre as pernas das mulheres corria uma espécie de ribeiro salgado no qual os dedos poderiam mergulhar e esconder-se entre nichos agradáveis; o Paulo corava como um maduro fruto vermelho, chamava-lhes tolas e ameaçava-as que contaria tudo a avó, que era áspera e seca, mas não arredava pé; a Lídia queria conhecer tudo e experimentava em Maria que não era irmã nem prima de ninguém e passava, massa moldável de desejo, de boca em boca, de mão em mão.
Maria gostava dessa docilidade que a consubstanciava com as águas e onde a vontade das outras, abafada entre risadas nervosas, sulcava um destino que ela não sabia se seria o seu.
Mais tarde descobrirá que o tigre-da-tasmânia havia entrado em extinção muitos anos antes de qualquer um deles ter nascido e isso ferrou-lhe um desejo intenso de tudo saber.
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Ilustração de Diogo Bessa