O Verão chegava ao fim bruscamente com a descida abrupta da temperatura a fazer-lhes querer aconchegos para os braços, para as pernas, a abreviar os decotes que algumas ousavam já, a devolver as ruas aos cães que as assumiam com um fervor que ia do rosnar ao ladrar aberto.
O fim do Verão trazia outra aldeia, a das mulheres negras, a dos homens secos, a da terra queimada, exibindo cotos ardidos, protuberâncias que lembravam malignidades antigas, a das crianças molhadas. Os pais haviam partido, elas entregues aos mais velhos que as estreitavam ao peito e as esqueciam no elástico lasso dos dias.
O fim do Verão era uma ferida cinzenta que alastrava como metal fundido e formava uma armadura sobre o coração.
As cidades roubavam as mais sortudas das raparigas. Permaneciam as que haveriam de cobrir de fruto novo a serrania aberta em azul difuso, neblina do olhar de um recém-nascido.
As que ficavam aguentariam o azedume como linha entre os dentes. Aquelas que a engoliam morreriam cedo com os órgãos internos amarrados a uma tristeza difícil de libertar, as outras utilizá-la-iam como elemento de união entre partes estranhas, como a esperança e o desespero, conseguindo abrigos em plena devastação.
O sol haveria de se fazer rogado, a luz caprichosa, sob a caruma nasceriam os frutos dessa imensa árvore que é a terra que renderiam pesetas em solo vizinho, uma réstia de contrabando transformaria o café em material de troca e a chicória no aroma das manhãs.
Para uma das raparigas o fim do Verão desembocava em Campanhã. Os comboios tinham janelas de navio, a marcha inversa ao galope da sua respiração, os compartimentos configuravam apartamentos vários que ela aligeirava com a lembrança da neve a travar-lhe a passada e a prendê-la à serra coberta de frio.
Ilustração de Diogo Bessa