Número 7

26 de Junho de 2021

A CANFOREIRA DE BENCANTA

Baixo-Ventre (poema interseccionista)

LUÍS JANUÁRIO

1.

Baixo
Rente ao chão virado para o chão

Raso
Os olhos depois da notícia

Raso Chão
Salto-raso
Alta mas quase descalça

Baixo
A mais grave das vozes
O lugar dos baixos no Coro
O escuro é a metade da zebra

Baixo
A classe baixa
A classe alta
Ignóbil

O golpe baixo
O baixo-alemão
Le plat pays
Com os vagos rochedos que as marés cobrem
onde o coração nunca está na maré baixa

O baixio onde encalhei

Baixo
O Baixo Mondego alagado
Onde ele canta o amor dos campos e baldios
A Baixa Califórnia
e uns desertos ilhados por um Pacífico turvo

2.

Ventre
O abdómen o abdome
A proeminente barriga

Ventre
O contrario do dorso
A face inferior dos órgãos foliáceos

Baixo inferior chão grave rente raso

Dorsoduro Ventremole

Nascida de Ventre Livre (bras.)

Do ventre a pele
As vísceras

Ventre pele músculo serosa vísceras serosa músculo Osso pele Dorso

Dorso pele Osso músculo serosa vísceras serosa músculo pele Ventre

3.

Baixo-Ventre
A parte mais baixa do abdómen e a cavidade pélvica
Hipogastro

O que fica abaixo do umbigo
Cintura baixa
Cintura baixa com rotos
com detalhes
Com slim com Capri
Cós

Baixo-Ventre
Eliminição defecação

Baixo-Ventre
O útero
O lugar onde começa a vida

Bendito o fruto do teu ventre

E cresce
Na direção do Alto-Ventre

Línguas do Alto-Ventre
Do alto país acima das catedrais
Do país dos Iguais
Dos infantes sem medo
Passando o rio a vau
Da cintura alta
Da cintura baixa
Da urina clara a escorrer das pernas

Na baixa da praia
Beira-mar
Maré Alta
O Vento do Sul está a passar por aqui


(Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, Afonso Duarte, Jacques Brel, Houaiss, Picasso, Ruy Belo, Noah, Sérgio Godinho.)