Número 41

13 de Julho de 2024

VIDA: EFEITO-V

Balaio

CARLITO AZEVEDO

Como recomendado

por Hesíodo,

no quinto mês

cortei o lenho

para o leito

nupcial,

e ao arar a terra

as aves consultei.


Não sei o que

perguntaria ao

oráculo em Delfos,

mas a você pergunto

todos os dias

o que é o amor.


Aqui começam

provavelmente

a obscuridade

e a decepção.


Mas adoro as

partes sublinhadas

por você nos

livros de sua

biblioteca.


É como se

você adivinhasse

tudo o que eu

precisava

realmente

ler de

William James

e Eurípedes

muito antes

de me conhecer.


Ontem me detive

por alguns instantes

num metro quadrado

de calçada da rua

Senador Vergueiro

e, plano a plano,

turvação a turvação,

como se

em progressão

metafísica,

da Pura Existência

até a divina Ideia,

estivesse se

erguendo

dentro de mim

uma resposta iluminada,

um fluxo verbal

contínuo

homogêneo

e que afinal

não veio.


Paciência.


Veio, isso sim,

de um

maltrapilho

sentado no meio-fio

a pergunta:


“você sabe

onde eu moro?

sabe o meu nome?”


Quase só

olho para baixo;

mas os ouvidos

criam laços

com todas

as nuvens auditivas

ao redor,

venham de

onde vierem,

do trânsito,

das vozes,

dos cães de rua,

das rãs coaxando

nos buracos de

um jardim

ou do tremor

de todas as

palmeiras

súbito

desconectadas

do chão

sólido

do bairro

do Flamengo.


A vida dorme sob

quadrados de

papelão azul.

Não há outro

mundo onde o

céu seja menos

que raso.

O papelão

é  de um azul

cunha a cunha

sem nuvens.

Toda casa

tem nuvens;

a rua brota esse

quadrado de

calçada,

ponto

de observação

do mundo,

tão propício

ou tão impróprio

quanto qualquer

outro.