Traduções, Traições, Travessias

Mahmoud Darwich explica no prefácio da sua antologia poética, “O Jardim Adormecido”, a dupla posição do trabalho de um tradutor, que por um lado liberta a poesia da restrição da língua ao mesmo tempo que comete a célebre traição da dissolução na língua do tradutor. Mas Darwich não se fica por aqui, já que é […]

A monte

A nossa lua, Selene, é uma boa lua. Grande, brilhante, dinâmica, com o jeito certo para as marés. A única decente em torno de um planeta telúrico e uma das responsáveis pela vida que existe na Terra. Demasiada importância, pensaram uns engenheiros, para a deixarmos estar, para nos deixarmos estar. Há ali um potencial inexplorado. […]

Revelação intangível

Ininterrupto seria o caudal da água ali ausente. Apenas o meu olhar se confinava sem agonia ou desmerecimento. Um tributo clamando pelo efémero ou um abrigo onde perder as mãos. Seria piedoso se assim bastasse. Mas as cinzas e os vermes, essa matéria das estrelas que por vezes respiramos, são a medida de uma gramática, […]

Memórias da clandestinidade

Foi em Março de 2020 que tudo começou a mudar. Num sábado ainda fomos ao Marão ver o martaguinho (Erythronium dens-canis) – é uma flor que só dura duas semanas, aparecendo sempre na segunda quinzena de Março –, mas no regresso um polícia ordenou-nos que parássemos e perguntou-nos onde tínhamos ido. Dissemos-lhe a verdade, pois […]

A debilidade do amor e o fim do mundo

Fausto, Mando-te, em anexo, uma nota de leitura. Penso que pode ter interesse para a tua revista por vários motivos. Em primeiro lugar porque a Bazarov é talvez o acontecimento editorial que se cruza, pelo menos temporalmente, com a revista Osso. Depois, porque a reflexão de Fontenelle se revela muito atual. Face à imensidão de […]

O meu coração

O meu coração provinciano Rejeita o studio A favor do ralador de noz-moscada À janela da correspondência entre Katherine E Lady Ottoline O meu coração aquário Tem um mergulhador amarelo Entre palavras preciosas E um peixe vermelho com os olhos nele O meu coração matutino Leva-me por um corredor De nuvens e sombras pequenas Que […]

O sentido da vida

Mariana Barros Silvestre entrevista o dr. Pichón R. | T2 E7 — Enrique, hoje o diretor de programas avisou-me de que tínhamos pouco tempo para o programa. Por isso vou direta à questão do dia: para si, qual é o sentido da vida?  — Mariana, que pergunta! (pausa) Ando justamente a ler um livro que […]

Criaturas da Luz

“A natureza é horrível”. Eduardo Basto Há dias vesti-me de noite para descansar os sentidos. Percebo perfeitamente as criaturas que usam os olhos para fugir da luz. Sinto muita afinidade com elas, entre as quais as planárias. Trata-se de platelmintas de vida livre, vermes planos cujas ilustrações nos livros de biologia se assemelham a pensos […]

Quando me sentei na cadeira

Quando me sentei na cadeira com as mãos sujas de tinta achei que afinal tinha terminado de escrever o meu segundo corpo e o pendurado num poste branco como exemplo de justiça parecia que eu tinha matado alguém bom demais para me acompanhar enquanto eu tinha ódio da polícia, da milícia e do crente do […]