Número 19

5 de Fevereiro de 2022

EXCURSÕES

Conselhos aos viajantes

PAULO VENTURA ARAÚJO

Antes de mais, há que decidir a questão semântica – ou, simplesmente, precisar a quem se dirigem estes conselhos. O que é um viajante? Se tomarmos o passado como modelo, são poucos os que hoje mereceriam tal título. Noutras épocas também não seriam muitos, porque viajar/perder países era privilégio dos ricos e dos seus séquitos. E viajar, para quem podia, era uma forma de vida, não um breve intervalo nas ocupações profissionais que quase por inteiro nos definem. Assim, a opinião comum é de que na actualidade o que há são turistas e não viajantes. Mas, mantendo-se na língua portuguesa o verbo “viajar” e não estando o verbo “turistar”em vias de legalização, é legítimo chamar viajante a quem se desloque (um mínimo de 50 km? 200 km? – as opiniões dividem-se) para fora da sua zona de residência e fique pelo menos uma noite (há quem exija duas) alojado em hotel/pensão/AL/tenda de campismo/auto-caravana própria ou alugada/casa de amigos. É esse viajante em sentido lato que temos em mente ao redigir estas despretensiosas notas.

Há também previamente que considerar a questão económica. O viajante não pode estar inteiramente destituído de meios de sobrevivência. Contudo, ultrapassado esse requisito elementar, evitaremos mencionar essas questões embaraçosas de custos e pagamentos. O nosso lema é aceitar o que é justo, seja no restaurante Michelin com menu de degustação ou na adega típica, seja no hotel com spa ou no parque de campismo poeirento, desde que a relação qualidade/preço seja boa (ou será a relação preço/qualidade que importa?).

Antes de partir para a sua viagem, é necessário decidir onde fazer o teste rápido de antigénio. Ter tido um percurso escolar medíocre ou, já adulto, nunca ter dado provas de brilhantismo em contexto social ou laboral são coisas que não fazem de si um antigénio. Ou talvez façam, mas não lhe garantem resultado positivo no teste – e ainda bem para si, porque desta vez o que quer é um resultado negativo. Mas é possível que já tenha feito muitos desses testes e conheça bem os procedimentos. Sendo assim, é melhor dirigir-se ao estaminé habitual, a menos que o seu número de orifícios nasais tenha aumentado de forma alarmante desde que se tornou cliente regular, caso em que se calhar é preferível confiar o nariz a outras mãos. Informe-se.

A escolha das máscaras para viajar também merece cuidada ponderação. Se, por razões de moralidade e decência, não tenciona mostrar o rosto a ninguém – e lembre-se de que os melhores hotéis disponibilizam serviço de quarto para todas as refeições –, deve calcular um mínimo de quatro máscaras diárias. Esteja atento aos folhetos das promoções dos supermercados e quem sabe se não tropeça numa pechincha. Há ainda considerações estéticas: gosta mais de máscaras firmes ou flácidas? As cores delas combinam com as roupas que seleccionou para a viagem? Caso opte, em circunstâncias em que isso seja tolerado, por usos alternativos da máscara facial, como seja o resguardo do queixo ou do pescoço, é importante saber se o material de que ela é feita assegura protecção eficaz contra o frio ou contra objectos contundentes. Pendurá-la na orelha como brinco é também um uso que alguns lhe têm dado, mas que não podemos recomendar – já que, como ornamento, ela peca por assimetria (a menos que pendure uma em cada orelha) e por excesso de tamanho.

É chegado o dia da partida, por terra, mar ou ar. Se viajar por terra, e o seu altruísmo não for dos mais apurados, pode cair na tentação de não fazer o teste mesmo que vá atravessar fronteiras. Argumenta consigo mesmo que não arrisca trocar as férias por uma semana de prisão domiciliária para o bem de todos. Lamentando atitude tão egoísta, sempre lhe dizemos que, para garantir que na fronteira não lhe cobram pesada multa (na ida ou na volta), é prudente evitar os itinerários usuais e desviar-se por velhas estradas ou mesmo por caminhos não asfaltados. Dispomos de uma lista de pontos de passagem seguros, desde Caminha a Vila Real de Santo António, e podemos também aconselhá-lo sobre os veículos mais adaptados a esses trajectos. Tal informação, contudo, é exclusivamente para os nossos assinantes premium. Em troco de emolumento adequado, fornecemos ainda um serviço de guias experientes.

Sem saber como nem porquê, eis que chegou ao seu destino e, depois de uma noite mal dormida, está na varanda do seu quarto a admirar o nascer-do-sol. Tenciona descer para o pequeno-almoço e ainda não sabe se vai ter que calçar luvas descartáveis no bufete, e se, calçando luva apenas na mão direita, não usará por distracção a esquerda para manusear os talheres. Na piscina, a máscara é só para quando circula entre os corpos estendidos nas espreguiçadeiras ou deve usá-la sempre? E que regras ou restrições estarão em vigor no seu país quando, daqui a dias, empreender a viagem de regresso?

Não há nada melhor do que esquecer as preocupações e recarregar baterias longe de tudo.