Todos usamos.
Eu não resisto. Damos por nós a falar assim. Se por acaso temos de gravar uma frase, falar em público de improviso, fazer um brinde, jorram de nós aos borbotões. Vêm misturadas com outras que nos classificam como pertencentes a uma geração, a uma cultura, a uma profissão.
As palavras que usamos espontaneamente são o nosso emblema, o nosso signo, o nosso CV, o nosso portefólio.
Não deixam de ser insuportáveis.
O calão das corporações é insuportável.
São insuportáveis o calão da moda (o conceito, os materiais, as aplicações), dos empresários (os meus colaboradores), dos comentadores de futebol (a atitude, a intensidade, o aproveitamento dos flancos e a arte de ganhar a segunda bola), dos académicos (o título é ambicioso mas o conteúdo vai mais longe), dos juristas (tutelam, mantêm, corrigem e suprem), dos adversários políticos na hora da morte (ele era como um irmão para mim), dos profissionais de show bizz (o conceito era muito exigente e fazia apelo). O calão dos epidemiologistas, passo adiante.
Dos arquitetos, ao contrário, gosto. Vejam um homem que diz uma frase assim: “uma arquitetura, quando está acabada está só a meio caminho”. Reabilita a linguagem. Não há emoji para dizer isto. Não se pode escrever com kk. Não se pode dizer em diminutivos.
Também gosto dos historiadores, que aliás são parecidos com os arquitetos.
Das floristas, que vendem bonsais e margaridas verdes de veludo.
Dos jovens agricultores de 50 anos.
Dos embarcadiços.
Gosto do voo dos milhafres, que depois da declaração do 15o estado de emergência vieram planar sobre a cidade e nunca tinham estado tão baixo, como alguns comentaram.
Regressando ao tema, resolvi pedir ajuda aos meus amigos e amigas.
— Não suporto ouvir falar de zona de conforto. Zona de conforto era Portugal no tempo da troika. O PM de então sentiu-se confortável com a ideia de propor a exportação da massa crítica do país. Eu não. Só aguentei mercê de uma grande resiliência. O meu afastamento destas formulações e do que elas representam é irrevogável.
— Essa ideia de dicionário é um bocadinho irritante, ela mesmo. Só se escrever com um pouquinho de graça. Ou a sua leitura torna-se penosa. Só um nadinha. Estou a brincar.
— Lamento não te poder ajudar. Estou a trabalhar. Não é bem uma peça de teatro. É mais uma performance.
— Liga-me depois. Estamos a terminar uns projetos de Humanização para os hospitais. Já viste o do Amadora-Sintra? Levamos as crianças para o bloco operatório em pistas desenhadas nos longos corredores, a guiar carros de fórmula 1.
— O projeto tem algumas fragilidades? Eu própria tenho as minhas fragilidades. Mas aprendemos a lidar com elas, não é, querido? Estou a brincar.
— Não estou mentalizado para te responder. Imaginei-me a desfrutar um bom artigo e afinal vens-me com isto.
— Tive a honra e o privilégio de lhe suceder na condução desta nau. Com o que contei com a dedicação e o esforço de toda uma equipa. Não me peça mais do que isso.
— Desculpa, mas não me parece prioritário. O que é prioritário? É que temos de abrir em segurança. Deslocarmo-nos em segurança. Investir em segurança. Adoecer em segurança. Morrer em segurança. E tudo isto de forma atempada. Decorrente da nossa já longa experiência. Através da qual forjámos uma identidade.
— Depois te ligo, o nosso secretário-geral morreu. RIP.
— Se calhar andas a escrever demais.
— Vais mesmo preocupar-te com uma questão de lana caprina? Já ninguém fala assim. Estou a brincar.