Decidi-me a expiar os meus pecados, mas não sabia a quem os entregar.
Perguntei aos anjos que pousam sobre os meus dois ombros.
O do ombro esquerdo disse-me, lança-os ao primeiro que aparecer. Qualquer um serve para bode expiatório.
Escutei-o, e assim fiz. Peguei num saco e atirei-o a um construtor arruinado, daqueles que falha todas as obras, mete areia a mais no cimento, e pede sempre que lhe paguem adiantado. Um pobre diabo, com bom lombo para os carregar.
Mas para minha surpresa, os ombros ficaram tortos. Todo o peso pendia agora sobre o meu flanco, e fiquei mal da coluna.
Perguntei ao anjo do ombro direito como poderia resolver o problema.
Respondeu-me que era fácil. Devia atirar o peso para a frente, porque para a frente é o caminho. Ia para o fazer quando o saco me escorregou da mão, e caiu-me no pé. Fiquei temporariamente coxa, a arrastar-me pela estrada fora.
Perguntei aos meus dois anjos como podia expiar as minhas dores.
Disseram-me que não era possível. As dores há que as carregar. A única alternativa é engoli-las, mas custam mais a sarar.
Fiquei desiludida com as respostas, francamente desapontada. Zanguei-me a sério, e sacudi-os. Os dois riram-se de mim, e abandonaram-me.
O anjo do ombro esquerdo foi viver para um quadro. Vi-o no Cabanel a olhar para mim com raiva, a achar-se claramente melhor, com o rabo sentado na lama. Na verdade queria perdoá-lo, mas não sabia como. Devolveu-me o saco sem dirigir palavra.
O anjo do ombro direito ficou magoado e pousou noutro quadro. Vi-o no Simberg, prostrado, carregado por crianças tristes, a segurar flores brancas na mão. Honestamente não sei o que lhe fiz.
Queria expiar os meus pecados, mas não tinha a quem os entregar.
A parte boa foi que fiquei melhor da coluna.