com o tempo
ganha-se um certo
carinho pela dor de corno. não
pela dor, entenda-se,
mas pela inevitabilidade
do corno. vamos à deriva
(sempre)
mas vamos a fundo
e sabemos — bem antes
do fim — que o apocalipse
não é nada senão
esperado
ainda assim escavamos
foçamos tudo
aprendemos com o tempo
que não há prazer
maior do que uma dor
insistente uma poeira
permanente do lado
da garganta que não dá
para coçar — esta ideia de
que se é incómodo foi
importante se é relevante
vai ter de moer. com o tempo
sobrevive esta alegria
quase tão persistente
como a dor
porque se existe
se está lá se é realmente
triste
então talvez nunca desapareça
e quem sabe sejamos nós
aos poucos
também eternos
amém.