Fractura Exposta

27 de agosto 2022

dor de corno

FRANCISCA CAMELO

com o tempo

ganha-se um certo

carinho pela dor de corno. não

pela dor, entenda-se,

mas pela inevitabilidade

do corno. vamos à deriva

(sempre)

mas vamos a fundo

e sabemos — bem antes

do fim — que o apocalipse

não é nada senão

esperado

ainda assim escavamos

foçamos tudo

aprendemos com o tempo

que não há prazer

maior do que uma dor

insistente uma poeira

permanente do lado

da garganta que não dá

para coçar — esta ideia de

que se é incómodo foi

importante se é relevante

vai ter de moer. com o tempo

sobrevive esta alegria

quase tão persistente

como a dor

porque se existe

se está lá se é realmente

triste

então talvez nunca desapareça

e quem sabe sejamos nós

aos poucos

também eternos


amém.