“O ruído do quotidiano invade as nossas existências e retira-nos a capacidade de sentir. Sentir, verdadeiramente. Sentir, a sério”. A música tem essa pretensão: “a de criar um canal de religação com esses (cada vez menos e menores) redutos de humanismo e de humanidade.”
Hélder Bruno Martins não se lembra de existir sem música. “Houve sempre muita música na minha família. Por volta dos dois ou três anos já me gravavam a cantar. Portanto, cresci com música, discos, livros, filmes, viagens… E isso foi um privilégio. A possibilidade que tive de crescer neste ambiente influenciou o meu percurso e fez com que a música seja o epicentro das atividades que tenho vindo a desenvolver”, reconhece.
Hélder Bruno Martins nasceu em Coimbra e reside desde sempre na Lousã. Doutorado em etnomusicologia pela Universidade de Aveiro, em 2018 editou o seu primeiro álbum de originais “A Presença, serena e terna”. O seu segundo — “Under a Water Sky” —, foi lançado quatro anos depois.
Recentemente, lançou “É jazz quando me chegam lágrimas aos olhos”, um livro que é uma adaptação da sua tese de doutoramento. Tem trabalhos produzidos nas áreas da música, da cultura, da economia e da política. Já venceu prémios, já trabalhou em Moçambique… Pelo meio, foi vereador na Câmara Municipal da Lousã.
“Já vivi muito. É verdade. Tive esse privilégio. Julgo que o que fiz foi, acima de tudo, motivado pela paixão de viver. Com tudo o que implica viver e estar vivo. Por isso, nada me falta fazer e falta-me fazer mais. Quando descobri a musicologia, essa ciência milenar que procura dominar a expressão, a arte e, simultaneamente, desvendar os mistérios da música, foi uma verdadeira epifania.”
Esses mistérios de que fala Hélder Bruno Martins transportam-nos para memórias, emoções, afetos e sentimentos que associamos a “músicas”.
“Eventos-experiência – como designo – associados à música e que, através da música, nos remetem para estádios próximos – mesmo que ilusórios – desses eventos-experiência. Talvez seja este o verdadeiro mistério da música: a relação que estabelecemos com algo exterior e etéreo mesmo sendo agentes passivos que fruem somente. Levi-Strauss dizia que a música guarda os segredos da humanidade. Efetivamente, são vários os domínios em que ao longo dos séculos e nas várias civilizações a música tem contribuído para o desenvolvimento das comunidades, para o seu progresso e para a prosperidade e em várias áreas de conhecimento.”
Para o musicólogo, o mistério da música é insondável, embora a maioria dos indivíduos, de quaisquer tempo e cultura, possa compreender a sua dimensão e o seu impacte. Enquanto comportamento expressivo, a música leva-nos para dimensões existenciais, de espaço-tempo individual que nos colocam de forma pragmática num evento-experiência de alteridade (do “eu consigo mesmo” em diálogos mais ou menos conscientes, com emanações discursivas, narrativas) que de outra forma seria difícil de alcançar.
No mês passado, quando recebeu o prémio Nuno Santos – Artes Performativas, atribuído pela Câmara da Lousã, Hélder Bruno Martins lembrou que a distinção tem, “no seu âmago, o sistema político democrático, o 25 de Abril, o estado social e a justiça social e uma visão de comunidade” que lhe permitiu chegar ali.
“Fiz o melhor que pude e soube com o que pessoas e instituições me proporcionaram. Não nos fazemos sozinhos”.
Fotografia de Adriano Branco Neves