Os gatos respondem a diferentes chamamentos consoante o país onde se encontram. Por exemplo, em Portugal é bichano, bch bch bch, e em Inglaterra é here, kitty kitty. A intenção é a mesma: encontrar uma forma de comunicar.
Diz-nos Eduardo Kohn que em Ávila, na Amazónia equatoriana, os gatos que rondam a casa são jaguares. Na verdade, são criaturas ambíguas – Runa Puma, jaguares que foram antes humanos como os Runa, que agora vagueiam entre as aldeias e os novos membros da sua espécie. Por esta razão, são seres incertos, mas ainda assim capazes de serem abordados.
Conta a lenda que um homem apanhou um Runa Puma chamando-o às suas obrigações familiares. Estava em cima de um telhado a tapar buracos, mas de cima não conseguia vê-los. Chamou então o Runa Puma: “genro, ajuda-me a encontrar os buracos, vê de baixo por onde passa a luz e enfia neles a vara para eu saber onde estão”. O Runa Puma entrou em casa e o homem fechou-lhe a porta, aprisionando-o.
Eduardo diz-nos que a vara alinha as perspectivas de quem vê de cima e de quem vê de baixo, criando assim a percepção de profundidade. Diz-nos ainda que é esta a sensação de pensar.
Curioso que o encontro de perspectivas seja uma porta a fechar-se. Ao ser capturado, o Runa Puma já não é ambíguo. O homem cortou relações com ele. Runa Puma é agora presa, e o humano predador.
Na selva, o predador e a presa definem-se no encontro. A ambiguidade é perigosa, mas também produtiva, enquanto não se é comido. No final seremos aicha, ou em português, chicha – presas tornadas carne, sem capacidade de sentir ou pensar. No entretanto, somos as relações que mantemos, a mão estendida para o gato, à espera da sua resposta.
Ilustração de Mafalda Rebelo