Deverá colocar-se à distância certa do parapeito. Num primeiro andar convencional, o piso d’ouro, recomenda-se um metro. É uma boa distância, permite observar o que sucede na rua sem perder a ilusão da sua própria invisibilidade na penumbra da divisão. Quem, com quem, a que horas, com que roupa e sapatos, qual o meio de locomoção, o registo das subtis diferenças de dia para dia. O que comprou, aquilo com que nunca mais foi visto. Os dias úteis, os sábados e os domingos, os feriados, o vasto mês de agosto, tudo o que altera os comportamentos habituais. As quadras festivas são fundamentais pelo que revelam, pelo que ocultam. Numa mão, o telemóvel; do outro lado da linha, talvez alguém, seguramente alguém, uma figura que absorve em silêncio o relato insistente do devir. Falar é preciso e só os malucos falam sozinhos. A outra mão pode ocupar-se da apreciação de uma pequena irregularidade no canelado do casaco de malha ou a sentir a pureza geométrica dos gumes da cómoda barata. Um trejeito do pescoço para acompanhar por mais um piscar de olhos alguém que sai do campo de visão, da segurança do enquadramento, do enquadramento da janela, sem nunca prescindir da ilusão de invisibilidade.