Número 3

1 de Maio de 2021

CAIXA ALTA

Luísa Ferreira Nunes: “Aprender com a natureza é uma tarefa árdua e humilde”

ANDREIA M. SILVA

Luísa Ferreira Nunes DR


Já percorreu o Alasca, perdeu-se nas selvas da América Central, atravessou sozinha o deserto de Mojave, na Califórnia. Quem a vê, de porte tão delicado, não lhe advinha o espírito aventureiro. Mas graças a ele, e ao amor pela natureza, Luísa Ferreira Nunes tem participado em várias expedições científicas nacionais e internacionais. Dessas viagens, traz textos, fotografias e, sobretudo, ilustrações onde pássaros, insetos ou linces voltam a ganhar cor e movimento.

Natural de Lisboa, Luísa Ferreira Nunes é licenciada em Ecologia  Florestal e realizou pós-graduação em Biologia & Biomimetismo, tendo  desenvolvido o trabalho de doutoramento em ecologia de insetos. É docente da Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco.


– Diz que é naturalista por influência dos seus pais que, desde cedo lhe incutiram o gosto pela descoberta da Natureza. Do que se lembra da sua infância?
– Da minha infância lembro-me de passearmos muito na natureza com os meus pais. O meu pai conhecia muitos animais e seus comportamentos, assim como plantas, e incutiu-nos esse gosto e curiosidade. Lembro-me de termos muitas cadernetas de cromos sobre a fauna de várias regiões do planeta e, tanto eu como a minha irmã, dominávamos, desde crianças, os nomes de todos os animais, mesmo os nomes científicos.

Também trazíamos para casa animais feridos que encontrávamos para os meus pais tratarem, ou aves com as asas partidas, insetos, cães e gatos. Tínhamos girinos, depois rãs, e sabíamos alimentar e cuidar das diferentes espécies. O meu pai desenhava muito bem e era vulgar passarmos tempo a desenhar os animais e as plantas que encontrávamos nas saídas a locais mais naturais, fora de Lisboa.


– Na universidade interessou-se pela entomologia. Como nasceu este gosto particular pelos insetos?
– Nasceu, sobretudo, por influência de uma professora de entomologia que tive, a Prof. Laura Torres, que eu adorava ouvir falar. Achava fascinante o contacto à lupa com os insetos e o seu mundo tão diferente, tão adaptado à vida. Os processos meticulosos da metamorfose e as inúmeras estratégias de sobrevivência. Depois, ainda na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real, e no Instituto Superior de Agronomia comecei por ser assistente de Entomologia e a seguir continuei, já com a minha cadeira, na Escola Superior Agrária de Castelo Branco.

– Lançou recentemente o livro “Silenciosamente” sobre os momentos de observação passados na natureza durante a pandemia na Primavera de 2020. O que é que a natureza nos ensinou durante o confinamento?
– Aprender com a natureza e emulá-la é uma tarefa árdua e humilde. Quando o que aprendemos melhora o modo como vivemos, ficamos gratos, e isso leva-nos à última etapa de um caminho que resulta num agradecimento prático pelo que aprendemos, cuidando e preservando. Como muitas vezes observo, para perceber as soluções que a natureza encontrou para resolver problemas, verifico que sempre depois de uma alteração ou perturbação, inicia-se o processo de reconstrução por meio de interações robustas que são aproveitadas para manter e recuperar funções em crise que são exclusivas de um determinado local. O grau de complexidade e diversidade dentro dos ecossistemas, varia com base nas pressões reguladoras que se encontram por lá. É notório perceber que o sistema ecológico não precisa de voltar ao seu estado original para ser resiliente. O que a natureza nos ensinou é que a mudança e a perturbação podem ser mecanismos para novas possibilidades. Se observarmos, verificamos que o que mundo natural aprendeu a fazer foi criar condições que conduzem à vida. E é isso que também temos de aprender. Felizmente, não precisamos de inventar nada. Precisamos, sim, de sair e perguntar aos génios locais, espécies e ecossistemas que nos cercam, como é que a natureza resolve uma crise?


– Quantas expedições já fez? Alguma vez temeu pela vida? O que a faz regressar?
– Quantas? Não sei bem, mas lembro-me especialmente das mais duras, que foi atravessar as selvas da América Central e atravessar o Alasca (de sul para norte). Em geral, as pessoas fantasiam muito sobre descobrir lugares e partir em aventuras em regiões mais inexploradas, mas a realidade pode ser muito diferente e, por vezes, complicada pelas condições que se encontra. Foi nas selvas da América Central que mais temi, sim, quando encontrámos um indivíduo bastante violento que fez com que a nossa equipa se desmembrasse para fugir. Ficámos um dia inteiro perdidos uns dos outros, até chegar a noite fechada. Foi muito perturbador e nem gosto de recordar, embora tenha acabado mais ou menos bem. O que me faz regressar são as oportunidades que surgem, se bem que há locais onde prefiro não voltar. Atualmente há mais dificuldades em conseguir financiamento e tenho preferido outras abordagens como a escrita e a ilustração daquilo que está mais próximo.


– Já fez expedições pela Beira Baixa. O que mais a fascina na natureza desta região?
Costumo dizer que os Beirões não sabem o que têm. Há recantos naturais, sobretudo na Beira Baixa, que são únicos no país, por serem prístinos e tão diferentes das restantes paisagens. Se não forem protegidos acabarão por se perder. O que gosto nas paisagens beirãs é, precisamente, a ausência da ação humana, a primavera, os matos floridos, as aves, os muros ancestrais… As ameaças começam a surgir, é a maré dos herbicidas, a caça excessiva de algumas espécies e a agricultura intensiva, em especial do olival.


– Nasceu em Lisboa, estudou em Trás-os-Montes, doutorou-se nos EUA, leciona em Castelo Branco. Onde se sente verdadeiramente em casa?
– Casa é onde me sinto bem, não tenho sentimento de pertença a nenhum lugar em especial, mas a momentos. A passagem pelos EUA, onde fiz apenas a parte curricular de doutoramento em regime internacional, foi sem dúvida o momento mais satisfatório que vivi até hoje e, nessa altura, poderia ter sido como “a minha casa”. Se acontecesse hoje, provavelmente já não sentiria o mesmo, está sempre tudo a mudar…


– Como é que o desenho surge na sua vida? Escolheria a ciência ou a arte?
– O desenho aconteceu porque a minha família é muito artística, meu pai e tio desenhavam muito bem. Nunca coloquei a possibilidade de trabalhar em arte, a ciência foi sempre um campo muito atrativo e saudável para mim. A arte é um escape. Neste momento, se tivesse que escolher entre ambas, talvez escolhesse a ciência, mas com uma abordagem criativa, que é o que a torna mais interessante.

A naturalista já realizou várias expedições nacionais e internacionais DR


“Silenciosamente” foi ilustrado e escrito durante periodo de confinamento da primavera de 2020, no campo DR