Número 13

30 de Outubro de 2021

NOTAS DO ARQUIVO

Notas do Arquivo

FRANCISCO FEIO

SLA/LS/VIS/EXP-B004-F10-I6


Na nota desta semana, damos continuação às experiências de Lazar Slavick com espécimes botânicos apesar de, neste caso, termos pouca informação segura sobre esta fase do seu trabalho. Sabemos que vem de um lote de imagens impressas recorrendo à técnica da Antotipia (1) e que acabaram por ser abandonadas devido à fraca estabilidade e sobretudo à necessidade de ter uma exposição solar longa o que, dadas as condições atmosféricas, só acontecia no pino do verão. Este exemplar pertence a um conjunto que foi utilizado não como prova final, mas como base para diversas experiências de pintura (2). Já foi referido o interesse de Slavick nas questões relacionadas com a impressão e com a utilização da cor na fotografia. Uma das primeiras técnicas utilizadas foi, naturalmente, a coloração local aplicando tinta sobre o suporte de papel da impressão fotográfica. Neste caso temos um fragmento impresso sobre um papel com alguma densidade e que foi posteriormente encerado. Se a utilização da cera era frequente nos negativos para os tornar mais transparentes, poucas vezes aparece em provas positivas. Neste caso temos resíduos de uma base semelhante à utilizada nas telas de pintura, e restos de tinta e marcas de pinceladas que parecem ter sido feitas quando da aplicação da base que terá destruído parte do substrato de cera. Eventualmente toda a camada de pintura terá acabado por cair, muito provavelmente por fraca adesão ao suporte por causa da presença da cera. A tinta utilizada era à base de óleo o que se vê nas manchas de gordura, distintas da cera que se encontram no suporte e que permitiu que alguma coloração atravessasse a base e se fixasse na fotografia criando um efeito particular que apela a uma dimensão pictórica do resultado. Sabemos que vários exemplares foram produzidos, sendo que um deles terá sido oferecido a Aimable Delune (1866-1923), o arquiteto que remodelou a famosa Taverne Greenwich em Bruxelas e em casa de quem Slavick chegou a ter atelier no conhecido 41 de la rue Van Elewyck em Ixelles (3)(4).

Importa agora tentar encontrar algum sentido na presença de tantos elementos vegetais nestes trabalhos de Slavick (uma presença muito forte nestes anos, mas que vai atravessando toda a obra dele através de diferentes fases e de modos muito diversos). Sabemos do interesse dele pelas ciências naturais, pela recolha de imagens que fazia pelos museus e pelos exemplares que trazia das suas extensas viagens. Sabemos, como Slavick também sabia, que muitas das experiências iniciais da fotografia passaram pela utilização de elementos vegetais, dos fotogramas iniciais de Fox-Talbot às Photographs of British Algae: Cyanotype Impressions que Anna Atkins publicou em 1843 (5). Tinha dois herbários na sua coleção e, a partir deles, teve a ideia de fazer um herbário fotográfico que pudesse preservar a imagem dos espécimes que recolhia; como uma atualização do herbário clássico substituindo a matéria vegetal pela sua imagem. Mas como nada é simples em Slavick, rapidamente lhe surge um dilema: se por um lado a fotografia lhe permitia fixar de modo permanente os exemplares, por outro perdia-se uma dimensão que lhe agradava nos herbários que era o processo de secagem e envelhecimento dos espécimes, o modo como se iam alterando ao longo do tempo, mudando a cor, manchando a folha a que estavam presos, perdendo a flexibilidade, ganhando a fragilidade natural de toda a matéria viva quando deixa de o ser. Dirige então a investigação que sempre fez no campo dos processos fotográficos de modo a encontrar algum que lhe permitisse passar estas características para um herbário de natureza fotográfica. É assim que chega à Antotipia que lhe trazia o extra de ser feita à base de produtos extraídos das plantas que queria fixar. Era tudo perfeito menos a falta de luz (6). Se na atividade de editor procurava o rigor das provas permanentes e inalteráveis pela luz, nestas experiências imperava uma dimensão poética que afastava a fotografia da sua dependência do real visível para outros universos expressivos e mais próximos da reflexão sobre os próprios processos (7)(8). Era esta a dimensão que o tinha trazido para a prática fotográfica; a capacidade de transcender o real, de as coisas poderem não ser o que parecem.


  1. Sobre este processo fotográfico, ver a nota anterior.
  2. Na realidade não sabemos bem o que definir como provas finais já que, acontece frequentemente, encontramos no arquivo exemplares impressos únicos, que não tiveram outra utilização que não a apresentação de uma prova fotográfica impressa e surgem muitas cópias que tiveram utilizações diversas como serem base para pintura e desenho, provas coloridas à mão, provas que foram sujeitas à sobreposição de impressão de outras imagens através de técnicas de gravura ou ainda servirem como base para reprodução mecânica.
  3. Em correspondência entre os dois, Aimable refere que colocou na parede da sua sala “la belle peinture que vous avez l’amabilité de nous laisser chez nous dans votre dernière visite. Une feuille morte si vibrant...” [SLA/LS/CORR/1909-FR-074]
  4. Sobre esta relação falaremos noutra nota.
  5. Sabemos por uma carta de um contacto que tinha em Inglaterra, que terá tentado comprar um exemplar desta obra, tentativa falhada logo à nascença por existirem muito poucos exemplares e nenhum disponível para ser cedido por quem os possuía.
  6. Existem poucos dados sobre as razões que o levaram a abandonar o projeto. As dificuldades práticas terão sido certamente uma delas, já que a frequência com que se deslocava entre lugares não era propícia a experiências de longa duração.
  7. Ver, por exemplo, as experiências já referidas com base nas Celestografier de Strindberg
  8. Apesar de estar nos antípodas do seu trabalho, Slavick irá saudar entusiasticamente a obra Urformen der Kunst de Karl Blossfeldt quando é publicada em 1929