Número 16

11 de Dezembro de 2021

NOTAS DO ARQUIVO

Notas do Arquivo

FRANCISCO FEIO
SLA/LS/VIS/EXP-C023-012


A presente nota fala-nos, novamente, do carácter experimental em Lazar Slavick, das horas passadas no laboratório que ele considerava ser o lugar mágico, por excelência, de produção de imagens. Dava-lhe tanta ou mais importância que ao próprio ato fotográfico. Apesar de ter um prazer especial em fotografar, em fazer todas as escolhas que se atravessam no espírito do fotógrafo, referindo-se não tanto às questões técnicas, mas sobretudo ao que respeita às decisões que vão da escolha do tema ao enquadramento final. Questões de composição e de disposição dos elementos visuais na imagem (mais tarde falaremos de enquadramento) a par com uma reflexão sobre a escolha de um determinado assunto sobre outro. Contudo, essa era uma parte do problema. Feita a exposição, entrava de seguida naquilo que lhe construía a imagem final, fruto de longas horas passadas na camera obscura, a sua caverna, como dizia. Era como estar dentro da própria câmera, a ver as imagens a nascer. Slavick considerava-se um amador, mas para amador tinha uma forte intuição artística que lhe permitia, entre outras coisas, identificar os erros e admiti-los, incorporá-los nos seus trabalhos. Praticava o que se pode chamar de uma fotografia do erro, uma fotografia que furava todas as práticas estabelecidas que conduziam à criação de uma imagem de acordo com os padrões técnicos da época. Talvez por isso mesmo, nunca foi reconhecido plenamente pelos seus pares e tenha frequentado grupos mais restritos e mais próximos da prática artística (1).

Neste caso, trata-se de um efeito de pseudo-solarização, também conhecido por efeito de Sabattier, que é um fenómeno de  inversão tonal que ocorre no processo de impressão de um negativo quando a imagem é acidentalmente exposta novamente à luz antes de terminar a fase de revelação. O efeito foi descrito pela primeira vez por Armand Sabatier (1834-1910), zoólogo de formação que também se dedicava à fotografia (2). Muitas técnicas fotográficas, dos simples fotogramas a efeitos mais complexos como este que encontramos nesta imagem, são conhecidos há muito de todos aqueles que se dedicam ao trabalho em laboratório. Basta pensar nas primeiras experiências de Fox-Talbot para deitar por terra a reivindicação da descoberta ou invenção do fotograma, por parte de muitos fotógrafos posteriores. Slavick, conhecia o efeito, primeiro pela literatura especializada, depois por exemplos que tinha visto e mais tarde tentado expressamente repetir. Neste caso tratou-se realmente de um acidente fortuito num laboratório que teve algum tempo na Rue Longue Vie em Ixelles. Terá aberto as portadas da janela sem reparar que ainda tinha uma das fotografias no revelador. Ainda assim resolveu continuar o processamento e guardou-a para a examinar mais tarde. Gostou do efeito negativo em cima da guarda de ferro que aparece na imagem. A prova não chegou a ser lavada, pelo menos completamente, pelo que está cheia de resíduos químicos que destruíram a maior parte da mancha fotográfica. O suporte de papel é muito fino e frágil, tendo desaparecido parte do lado esquerdo da imagem. Não há uma data certa para o negativo, apenas algumas indicações que aparecem num dos seus cadernos, de 1911 e que nos permitem datar a impressão desse ano. Curiosamente a fotografia original terá sido feita em Portugal, no que é hoje o Palácio Nacional de Sintra. Segundo descreve “J’ai pris quelques clichés que j’avais fait il ya quelques années au Portugal, à Cintra, et j’ai choisi un d’un petit coin avec une grille en fer et où l’on peut imaginer un espace plein de lumière(3). Muito provavelmente trata-se de uma das viagens acompanhadas em parte por Augusto Bobone nos primeiros anos do século. Terá, por convite régio, passado uns tempos na residência de Sintra onde terá fotografado alguns interiores e a paisagem circundante cujas particularidades geográficas e climáticas o entusiasmaram.



  1. apesar de pertencer a diversas sociedades fotográficas da época e de nelas participar, as discussões andavam muito em torno de questões técnicas o que lhe causava algum desinteresse.
  2. ver Bulletin de la Société Française de Photographie, 1862, pág 157. Meses mais tarde, no mesmo boletim e sobre o mesmo assunto, o nome aparece grafado como Sabattier, com um duplo “t” e assim ficou para o futuro.
  3. peguei nuns negativos que tinha feito há uns anos em Portugal, em Cintra e escolhi um que corresponde a um pequeno canto com uma grade de ferro e onde se adivinha um espaço cheio de luz.”. SLA/LS/MISC/N24 pág. 32