Número 3

1 de Maio de 2021

NOTAS DO ARQUIVO

Notas do Arquivo

FRANCISCO FEIO
SLA/LS/VIS/P-134


Esta pintura sobre postal fotográfico pertence a uma série que já foi apresentada noutra ocasião (1). Terá sido produzida, como as restantes, entre 1912 e 1920 na sequência da utilização da fotografia (sobretudo de natureza industrial) nas colagens cubistas e acompanhando, nalguns casos antecipando, a produção Duchampiana de readymades rectifiés (2).

Tal como foi explicado (3) foram encontrados três trabalhos desta série no arquivo de Gertrude Stein, sendo provável que tenha sido Francis Picabia o agente de ligação entre a obra de Slavick e Stein, ainda que este nunca tenha, aparentemente, tido notícia de tal encontro. Quando em agosto de 1920 Clément Pansaers, o poeta vanguardista belga, parte da Gare de Bruxelles-Central rumo a Paris para ir falar com Picabia e com ele organizar o núcleo Dada de Bruxelas, leva na sua mala, entre outros materiais, um conjunto de trabalhos de pequena dimensão de vários autores onde se incluem alguns destes postais intervencionados plasticamente por Slavick de quem Pansaers sabia ter um imenso respeito pela obra do avô de Picabia, o fotógrafo Alphonse Davanne (1824-1912) e tinha ainda conhecido um seu tio, Maurice Davanne, numa das muitas e longas passagens na biblioteca de Sainte-Geneviève, em Paris, da qual Davanne era conservador. Não se sabe se os trabalhos terão saído da Galerie Le Centaure (onde se juntava a vanguarda belga da época) se junto de alguém próximo de Slavick já que, à época, não estava a viver em Bruxelas.

Da origem das imagens de base, pouco há a dizer. Trata-se de um conjunto de postais ilustrados e constam de uma coleção editada por um irrelevante editor de Bruxelas que, segundo os registos comerciais da época, apenas teria o seu dono como fotógrafo e não manteve muitos anos de atividade (pelo menos com a casa editora em questão). Não possuía, aparentemente, parque gráfico próprio sendo o trabalho de impressão em fotogravura (com uma qualidade dentro do que era comum à época) contratado a outras empresas da especialidade. Também não se lhe conhecem muitas edições, sendo esta a mais extensa e difundida.

Quanto aos trabalhos em si, trata-se da aposição de estruturas geométricas, desenhadas com rigor, por cima de representações do popular Bois de La Cambre. A este rigor da geometria das estruturas, Slavick contrapõe o informalismo de manchas de pintura (4) como se de uma luta entre a ordem e o caos da matéria se tratasse. Não é despiciendo que as imagens de base sejam fotografias uma vez que, enquanto dispositivo visual e técnico, a fotografia já de si tinha, entre outras, a pretensão de conferir ordem e rigor ao fotografado.

É provável que alguns exemplares da série tenham sido realizados durante a estadia em casa do arquiteto Aimable Delune, na rue  Van Elewyck, em Ixelles, onde se refugiou nos primeiros tempos da ocupação alemã. A relação entre os dois já era antiga e dela falaremos noutra ocasião. Mas sabe-se que Slavick foi apanhado de surpresa, após regressar de Praga, com a rapidez com que se deu a ocupação. Foi longa a espera até conseguir sair para os Estados Unidos, que será a sua base durante os anos da guerra.   


  1. Exposição Declinações de Verónica, Coimbra, 2018.
  2. Este interesse pelo readymade rectifié, na utilização de imagens pré-existentes como base para intervenções plásticas, tem sem dúvida a ver com o seu interesse pelos materiais impressos que consultava nas bibliotecas e arquivos da época e que se sabe terem servido de base a muita da sua produção.
  3. Francisco Feio, Cartes postales du Bois de La Cambre, in catálogo da exposição Declinações de Verónica.
  4. A pintura é muito diluída e pela ausência de manchas de gordura e de brilho, terão seguramente sido utilizadas aguarelas.