Pouco se sabe acerca da imagem que ilustra esta nota. A sua origem prende-se com um novelo de nomes e histórias que tornam difícil chegar à sua origem. Há uma nota manuscrita, no verso, a lápis, que diz: d’ après le Daguerréotype de M. Handy. Foi este o ponto de partida para tentar recuperar alguma informação sobre a proveniência da imagem que deu origem a esta que aqui se apresenta. Sabemos, por alguma correspondência e notas nos seus cadernos, que Lazar Slavick conheceu Levin C. Handy (1855?-1932), nada mais nada menos que o sobrinho de Mathew B. Brady (1823?-1896), um dos fotógrafos e editores mais produtivos da guerra civil americana e de quem vem a herdar o negócio. Handy refere a Slavick a admiração que o seu tio tinha por Samuel Morse (1791–1872), com quem teria apreendido a arte da daguerreotipia (1). Morse, para além da telegrafia, de que foi inventor, tinha atividade como pintor e dedicou-se igualmente à fotografia. Terá sido o primeiro americano a ver o trabalho de Daguerre, em Paris, antes mesmo de ser anunciada ao público. Por mero acaso, Morse encontrava-se em Paris a promover a sua invenção e consegue, através do cônsul americano, um encontro com Daguerre para apresentarem mutuamente as suas invenções. Morse fica muito impressionado com o que vê, tal como se pode perceber pela carta que escreve ao irmão, Sidney Edwards Morse (1794-1871) que era editor do New York Observer, onde a publica em 20 de abril de 1839. Nela, Morse descreve, entre outras, a famosa fotografia do Boulevard du Temple revelando o seu espanto perante o que está a ver(2)(3). Sabe-se que Morse terá regressado aos Estados Unidos com equipamento dado pelo próprio Daguerre, mas não há certeza se trouxe alguma fotografia. Seria natural que tendo trazido algum exemplar fizesse disso referência na sua carta. Certo é que abre um estúdio em Nova Iorque e se dedica à fotografia. Vai ter alguns discípulos e é aqui que entra Brady. Brady entra na fotografia pela daguerreotipia passando mais tarde para o colódio, numa evolução natural em termos do que foi o desenvolvimento das técnicas fotográficas à época. A sua coleção de daguerreotipias, na sua grande maioria, acabou no Army War College que, em 1920 as vendeu à Biblioteca do Congresso (4). É provável que Handy tenha ficado com uma ou outra daguerreotipia. É pouco provável que tenha ele feito alguma, uma vez que quando ele entra para o estúdio do tio, já este tinha abandonado essa técnica. Por isso, a referência a Handy no verso da fotografia que encabeça esta nota, talvez apenas refira a proveniência e não a autoria. Sendo uma referência à proveniência, poderemos estar perante três hipóteses: ou era uma daguerreotipia de Brady que tinha ficado perdida no arquivo, ou era uma daguerreotipia de Morse. Não é inverosímil que este lhe tenha oferecido uma, dada a admiração que Brady lhe tinha. Já mais inverosímil e muito pouco provável, é que se trate de um exemplar de Daguerre que Morse tenha trazido consigo de Paris e que tenha sido oferecido a Brady (5). Mas esta imagem não é uma daguerreotipia. É uma copia feita a partir de um negativo. Existem daguerreotipias, no arquivo de Slavick, de vários tamanhos, mas nenhuma se assemelha a isto. Sabemos, pelas suas notas, que gostava de juntar daguerreotipias de várias proveniências e que estavam degradadas fisicamente, ou que tinham tido problemas na exposição ou processamento. Algumas eram polidas novamente para o seu suporte poder ser utilizado de novo. Descreve igualmente algumas experiências que fez, tentando sensibilizar a placa com a daguerreotipia para a expor de novo. Acreditava que essa sobreposição de técnicas e de tempos diferentes na construção da imagem traziam uma nova dimensão à fotografia. Temos o negativo que deu origem a esta cópia. Parece tratar-se de uma placa de 1/6 (cerca de 6×8 cm) o que é consistente com o formato de retrato em voga na época de Brady e que foi por ele muito utilizado. Está muito degradada e a imagem do retratado (percebe-se que terá sido um retrato) quase desapareceu. Trata-se de um negativo com cerca de 9×12 cm e a ampliação tem 15×20 cm. Foi posteriormente colorida manualmente para imitar as cores e reflexos da superfície metálica degradada da daguerreotipia original. O elemento vegetal, parece ter sido obtido pela técnica do fotograma direto no momento da impressão. Slavick deve tê-lo colocado na superfície do papel quando estava a ampliar o negativo. O papel de base é meio amarelado (deve ter sido preparado por ele) e encontra-se em razoável estado de conservação. Toda a degradação é reprodução fotográfica da degradação do suporte original.
1) Ver a este propósito uma carta de Brady para Morse, de 15 fevereiro 1855, que se encontra na Biblioteca do Congresso: Morse, Samuel Finley Breese. Bound volume—12 August -22 June 1855. 12 August -22 June 1855, 1854. Manuscript/Mixed Material. https://www.loc.gov/item/mmorse000034/
2) Objects moving are not impressed. The Boulevard, so constantly filled with a moving throng of pedestrians and carriages, was perfectly solitary. Except an individual who was having his boots brushed. His feet were compelled, of course, to be stationary for some time, one being on the box of the boot-black, the other on the ground. Consequently, his boots and legs are well defined, but he is without body or head because these were in motion.
3) Parte desta carta é republicada no número de maio de 1839 da The United States Magazine and Democratic Review. 1839, juntamente com referências às experiências de Daguerre, mas com especial atenção às de Fox Talbot em Inglaterra, a partir da memória descritiva do processo que ele enviou à Royal Society, numa secção intitulada “Notas do Mês” e com o título “Desenho Fotogénico”
4) A parte principal da coleção Brady, que se encontra na Biblioteca do Congresso, foi adquirida em 1954 às filhas de Handy e consta de cerca de 10 000 espécimes.
5) Para nós, hoje, seria estranho oferecer tal preciosidade. Mas os tempos eram outros e a valorização que se fazia das fotografias era completamente diferente. Basta lembrar as condições em que foi encontrada, em 1952, a fotografia de Niépce, a primeira da longa história que nos traz aqui.