
SLA/LS/VIS/EXP-B001-F02-I4
Há uma coisa que é certa nesta imagem que ilustra esta nota: ela pertence a uma fase de interesse de Slavick pela pintura e em que ele próprio utilizava fotografias que fazia de obras de arte para as cobrir de tinta numa senda experimental que interrogava os limites da representação pictórica em confronto com as características da representação fotográfica. Também sabemos a origem da imagem base, um fragmento de uma pintura de Gustave Caillebotte (1848-1894) que tinha visto em Bruxelas em 1888, numa exposição dos Les XX, um dos grupos de artistas da vanguarda belga da época. Trata-se de um fragmento de Homme au bain, pintura de 1844 e mostrada pela primeira vez nessa exposição. Dado o carácter particular da obra, que mostra um homem nu, de costas, a secar-se depois de sair do banho (1), foi mostrada não na sala principal, mas numa sala reservada a que se acedia por convite. Muito provavelmente, Slavick acedeu à obra através de um amigo, o pintor Fernand Khnopff (1858 – 1921), que fazia parte do grupo (2). Não se sabe se foi através de Khnopff que Slavick chegou aos Caillebotte (3). Eventualmente pode ter sido através de Paul Cardon (1858-1941), conhecido por Dornac, fotógrafo retratista francês com quem Slavick mantinha contacto regular e que lhe foi apresentado por Auguste Rodin (1840-1917)(4). Independentemente das circunstâncias que levaram a este encontro, esta primeira tela que Slavick vê e admira de Caillebotte, leva-o a uma reflexão sobre a relação entre a fotografia e pintura na representação do quotidiano, na capacidade de transformar em imagem a efemeridade do gesto. Sendo dois processos completamente distintos, Slavick detém-se no fazer da pintura de Caillebotte, no acumular de camadas de tinta, trabalhadas para dar a ilusão de que correspondem a uma forma precisa no mundo real. Um pouco como na fotografia. No fundo são dois processos que vivem da acumulação, da sedimentação em camadas, de tinta num caso, de tempo, luz e química do outro. A escala quase real da pintura também o impressiona. Há um lado quase táctil no modo como os objetos nos surgem na pintura a uma escala próxima do real. Slavick estava habituado a pequenos formatos nas suas imagens e daí a sedução que esta escala da superfície pintada exerce nele. Slavick já tinha feito muitas reproduções de pintura e outros objetos de arte, sobretudo em museus, documentando as suas coleções ou estabelecendo pontos de vista críticos como no caso das coleções de história natural ou nos Gabinetes de Curiosidades que fotografou. Neste caso não se tratava de documentar a obra, mas sim de perceber essa espessura da camada de tinta transformada em matéria fotográfica. A fotografia é feita de perto, mas sem ampliação. Não vai à procura do detalhe da superfície. É o detalhe que vem ter com ele, tendo em conta a escala de representação (5). Há várias impressões deste negativo. Algumas estão por trabalhar. Neste caso, a prova encontra-se amarrotada, pintada com pastel de óleo e aguarela. Podemos supor que o amarrotado terá sido propositado para dar alguma textura à superfície, para quebrar a superfície lisa do papel. A tinta do pastel de óleo ajuda a dar algum corpo à imagem e a suavidade da aguarela devolve-nos a superfície plana da fotografia. Há muitas manchas de outros materiais que poderão ter sido testados, ou apenas a marca de acidentes posteriores, de contaminação ou contacto com outras substâncias. Neste aspeto, é uma imagem que tem as marcas da vida de atelier no que respeita à experimentação. É esta, igualmente, a sua beleza: a abertura a um mundo de possibilidades em potência. Percebe-se que é uma fotografia em processo de devir qualquer coisa; nem que seja algo que não é mais uma fotografia.
- A curva que aparece na imagem é o bordo da banheira que está na pintura.
- A relação entre eles tinha começado pela fotografia, que Khnopff praticava de modo sistemático. Slavick foi visita da famosa casa atelier de Khnopff durante as suas estadias em Bruxelas.
- Gustave Caillebotte tinha um irmão, Martial, que era pianista e fotógrafo.
- O interesse por Dornac nasceu de um retrato que fez de Rodin. Vendo a admiração de Slavick pelo retrato, ofereceu-lhe uma cópia e apresentou-o a Dornac.
- Mais tarde, ao conhecer a obra de Caillebotte, vai recuperar esta primeira impressão noutras pinturas.