SLA/LS/VIS/EXP-D022-011
A nota de hoje traz-nos algum contexto à figura de Slavick, através da sua história familiar, nomeadamente através do seu pai, Janek Slavick, arqueólogo amador, que deixou uma vasta coleção de relatos de viagem, espalhados por cerca de 200 blocos de notas, acompanhados de desenhos, cartas geográficas, estampas e fotografias, algumas da sua autoria e outras que ia recolhendo ou que lhe iam sendo oferecidas. Não chegou a ter obra publicada. Era um esteta. A fortuna familiar deixou-o com uma vida folgada e nunca procurou notoriedade, apesar de ter frequentado os salões das elites culturais europeias do seu tempo. Era um homem discreto, um observador nato e ia registando a sua vida com um espírito de arquivista, como se quisesse construir uma memória do mundo tal como o tinha encontrado. Grande parte do seu espólio foi perdido. À semelhança do filho, viveu um pouco por todo o lado e grande parte das suas coisas ficaram pelo Báltico e desapareceram por altura da grande guerra. De entre a documentação que o filho conseguiu recuperar,
encontrava-se um envelope contendo um negativo em papel salgado, com cerca de 18×24 cm, com a indicação “oferta de M. Du Camp no Egito, em 1850”. Não foi imediato, mas Slavick conseguiu traçar o percurso da imagem das notas de um dos cadernos que conseguiu recuperar. O seu pai era amigo de Jean-Charles Langlois (1789-1870) militar e pintor francês, que tinha sido aluno de Horace Vernet (1789-1863), e pintava sobretudo panoramas com as grandes batalhas da história contemporânea. Tinham-se conhecido em São Petersburgo, quando Langlois lá viveu nos anos 30 e foram mantendo algum contacto epistolar. Em 1850, Langlois conta-lhe que vai para o Egito, desenhar os campos de batalha da campanha de Napoleão no Egito, nomeadamente a Tebas, para ver as ruínas de Karnak, para ter material para uma grande pintura panorâmica. Slavick escreve-lhe a dizer que provavelmente iriam encontrar-se já que ele estava a tentar integrar uma expedição que iria passar por lá nessa altura. Quem também andava por esses sítios era Maxime Du Camp (1822-1894), acompanhado pelo seu amigo Gustave Flaubert (1821-1880), a fotografar e a tirar notas para a sua obra “Égypte, Nubie, Palestine et Syrie : dessins photographiques recueillis pendant les années 1849, 1850 et 1851” (que veio a ser publicada em 1852). Maxime Du Camp não era propriamente um fotógrafo. Aprende a técnica com Gustave Le Gray (1820-1884) semanas antes de partir em viagem e, no terreno, sente dificuldades com o processo. Tem um feliz encontro com o Barão Alexis de La Grange (1825-1917), no Cairo, que lhe ensina o método desenvolvido por Blanquart-Évrard (1802-1872) que simplificara o processo da calotipia tornando a manipulação dos materiais fotográficos mais simples. Em Tebas, Du Camp e Langlois encontram-se e, antes da despedida, Du Camp oferece-lhe um conjunto de 24 provas positivas das suas fotografias, provavelmente as primeiras impressões fotográficas em papel feitas no Egito (pelo próprio Du Camp), e que Langlois guardará toda a vida (1). Janek Slavick também esteve presente num destes encontros. Sempre tinha apanhado boleia da expedição e foi à procura do seu amigo. Pelas notas não se sabe se fotografou muito ou pouco, nem se conhecem quaisquer fotografias desta viagem, mas descreve o encontro com Maxime Du Camp e que este lhe tinha oferecido um negativo que ia descartar, com o palácio de Karnak, em tudo semelhante à fotografia que acaba por figurar na obra com o título Thèbes. Palais de Karnak. Promenoir de Tôthmès III. Pouco tempo depois, a carreira de Du Camp como fotógrafo acaba, após a realização de 240 negativos de papel dos quais 125 serão publicados no livro. A primeira fotografia é de Alexandria e data de novembro de 1849 e a última de Baalbek, em setembro de 1850. Em outubro, vende o equipamento fotográfico em Beirute a um amador e passa o resto da viagem a escrever.
Quando Slavick descobre o envelope no espólio da família, resolve imprimir o negativo para ver do que se tratava e reconhece o lugar tal como se lembrava do que tinha visto no livro de Du Camp, que conhecia. Duplicou o negativo e fez vários testes de impressão utilizando diversas técnicas. Preparou uma matriz para impressão em fotogravura e a imagem que vemos é uma prova positiva, mal impressa, que tem uma camada que parece uma diluição muito fina de betume judaico, com algumas manchas de tinta. Estava num envelope com outras provas que não seriam para guardar. Algumas têm anotações com tempos de impressão. Há algumas intervencionadas a tinta e lápis que estão coladas num dos cadernos de desenho. Parecem restos abandonados para servirem de suporte a outro tipo de intervenção. Apesar da matriz de fotogravura estar em condições, não se conhece que alguma vez tenha feito uma edição da fotografia. Até poderia ter algum sentido, já que a obra impressa era impossível de encontrar. Mas estamos em crer que, para além da prova que diz ter estado muito tempo na sua parede, tenha sido apenas para os seus exercícios de intervenção manual em cima de suporte fotográfico.
(1) Estas imagens apenas foram descobertas em 1990, juntamente com 6 fundos fotográficos, cadernos de desenhos e diários, no espólio da família. Este conjunto está na origem do interesse de Langlois pela fotografia, que vai praticar após este encontro. No final da guerra da Crimeia, ainda em 1855, vai a Sebastopol para recolher imagens para uma pintura panorâmica sobre o que foi o momento que melhor marcou o conflito. Apesar de ter ido acompanhado por Léon-Eugène Méhédin (1828-1905) arqueólogo, arquiteto e fotógrafo, vai fotografar os vários cenários da batalha e que utilizará para a realização dos panoramas.