Número 5

29 de Maio de 2021

NOTAS DO ARQUIVO

Notas do Arquivo

FRANCISCO FEIO
SLA/LS/VIS/EXP-CO/08-002


Nova Iorque não era uma cidade desconhecida de Lazar Slavick. Já lá tinha estado para o grande acontecimento que foi o Armory Show, em 1913, a convite de Walter Pach (1883-1958), com quem tinha convivido em Paris nos anos em que este habitou a cidade. Através dele conheceu igualmente Walter Khun (1877-1949), outro dos organizadores da famosa exposição, quando a ele se juntou para escolherem as obras que haviam de atravessar o Atlântico e mudar a história da arte nos Estados Unidos. Agora, com todo o tempo disponível, retoma contacto com Alfred Stieglitz (1864-1946), outro dos conhecimentos de Paris, numa época que já se adivinhava de mudança para o fotógrafo americano em relação à prática fotográfica. Torna-se visita assídua da 291 (1) chegando a ser posta a hipótese de poder um dia vir a expor lá, projeto sempre adiado e finalmente abandonado quando a crise se torna evidente e Stieglitz é forçado a fechar a porta em 1917. Na época em que se conheceram, corria então o ano de 1907, Stieglitz andava fascinado com os autochromes de Steichen. Slavick fala-lhe das suas próprias experiências no campo da impressão a cores (2) e aconselha-o a ir a Munique tentar a reprodução dos autochromes que queria conseguir publicar na sua Camera Work. Para além de frequentarem os mesmos círculos e de terem amigos comuns, como é o caso de Alvin Langdon Coburn (1882-1966), não existem muitos registos que atestem uma relação próxima. Contudo, quando em abril de 1910 sai o primeiro panfleto sobre a exposição que Stieglitz andava a preparar para abrir em novembro na Albright Art Gallery, a International exhibiton of pictorial photography, Slavick recebe-o na sua caixa de correio, com uma nota manuscrita pelo próprio Stieglitz, pedindo-lhe que tivesse a gentileza de lhe enviar algumas das soberbas impressões coloridas que tinha visto em Paris, para integrarem a exposição (3). Há duas coisas que se sabem, com toda a certeza, quanto a isto: apesar da desvalorização que sempre fez da sua produção, Slavick aceita o convite e prepara um conjunto de três provas que embala cuidadosamente e envia para Mr. A. Stieglitz, 291 Fifth Avenue, New York, um endereço que, não sabia ainda, viria a tornar-se quase seu durante a sua estada nos anos da guerra; a outra é que as provas nunca chegaram ao destino e Slavick nunca conseguiu perceber o que poderá ter acontecido. Não havia notícias de nenhum naufrágio onde se tivesse perdido carga relativa a correspondência, mesmo que houvesse um erro de escrita no endereço, não seria difícil que a encomenda chegasse ao destino. Acreditava mais num acidente furtuito, num engano e imaginava a encomenda a dar a volta ao mundo entre devoluções e tentativas falhadas de entrega. Por ironia do destino, eram imagens de viagem, que agora cumpriam o seu destino viajando. Não podida deixar de pensar que um dia poderiam acabar na mesma paisagem que as tinha visto nascer. Tratava-se de um conjunto de três paisagens que tinha captado numa das suas expedições por um arquipélago vizinho daquele que viria a ser descrito por Moszkowski (4). Apesar de um certo constrangimento que se fez sentir na altura, com Stieglitz a desconfiar inicialmente que não lhe teria agradado o convite, Slavick acabou por perceber, pelas notícias que iam chegando na imprensa, que dificilmente teria tido lugar na exposição. Considerava o seu trabalho demasiado experimental que se afastava das práticas correntes do pictoralismo que ele próprio já abandonara. A imagem que ilustra esta nota é, com quase toda a certeza, um dos poucos testes que Slavick tinha deste lote de fotografias de onde selecionou os exemplares para enviar (5). Numa entrada do seu diário refere que tinha acabado de escolher três provas para enviar “para a tal exposição de Nova Iorque” e que, como pedido, pertenciam ao lote que tinha levado consigo para Paris e que tinha sido admirado pelo fotógrafo americano. Refere ainda que apenas de uma das provas guardará memória, já que existe uma de teste que acabou por juntar ao conjunto no caso de alguma coisa acontecer e a querer voltar a imprimir (6).




(1) A nova galeria de Stieglitz, assim rebatizada em 1908, com o mesmo número da porta da quinta avenida onde ficava a sua antiga e famosa “The Little Galleries of the Photo-Secession”. Na realidade a galeria ficava já no número 293, mas a entrada era feita por uma porta aberta no hall do piso da galeria anterior e por isso o acesso era feito pelo 291.
(2) Ver Francisco Feio, folhas de sala do ciclo de exposições Die Inseln der Weisheit, Coimbra 2012, onde se referem as experiências e o interesse de Slavick no campo da impressão cromática.
(3) SLA/LS/CORR/1910-USA-012
(4) Moszkowski, A.,Die Inseln der Weisheit, 1922
(5) SLA/LS/VIS/EXP-CO08-002, prova de estado, goma bicromatada (?) impressa em qudricomia, segundo inscrições no verso referentes a acertos de registo das camadas e outras provas de época que existem no arquivo.
(6) SLA/LS/MISC/N24