Número 7

26 de Junho de 2021

NOTAS DO ARQUIVO

Notas do Arquivo

FRANCISCO FEIO
SLA/LS/VIS/EXP-C001-P25


Dos anos de Praga, cidade onde passou grande parte da sua juventude e onde regressou em diversos momentos da sua vida, chega-nos a nota de hoje que se refere a uma prova fotográfica que revela alguns dos interesses de Lazar Slavick pela imagem multiplicável e pelas técnicas de impressão mecânica que existiam à época. Em Paris tinha estagiado durante uns meses no atelier de impressão de Alfred-Léon Lemercier (1831-1900), sobrinho de Joseph-Rose Lemercier (1803-1887) que fica com o negócio da casa de impressão após a morte deste. Lemercier, tio, tinha comprado a Alphonse Louis Poitevin (1819-1882) a patente do processo da fotolitografia que permitia fazer reproduções fotográficas através do processo litográfico (1) o que conferia às imagens, para além de uma permanência mais elevada, uma proximidade com a gravura através da textura da tinta e do papel, uma mancha com sombras mais densas e neutras, para além das inúmeras possibilidades cromáticas que se abriam aos criadores. Já em Praga, estuda com Karel Klíč (1841-1926), considerado um dos inventores da fotogravura moderna e podemos encontrar no seu espólio numerosas experiências utilizando este processo. Num anexo da sua casa, na rua Říční, uma transversal da Újezd, do outro lado do rio Moldava e não longe do que viria a ser, muitos anos mais tarde, o atelier de Josef Sudek, Slavick monta um pequeno atelier de impressão onde vai dar largas à sua criatividade.(2) Ainda chegou a pensar em abrir ao público e tornar-se editor, mas cedo percebeu que um negócio dessa natureza requeria uma atenção que seria incompatível com as suas deslocações frequentes o que lhe retiraria a liberdade de movimento que sempre prezou. Quanto aos resultados, eram mostrados e discutidos entre os artistas que frequentavam o Café Louvre na Národní třída (à época Ferdinandova). Aqui conhece Kafka que frequentava o grupo que se reunia em torno de Berta Fantová (1865-1918), primeiro no Louvre e mais tarde em sua casa, na Staromák. Apesar dos seus interesses científicos serem mais virados para a história natural e para a geografia,(3) não deixava de ser um ouvinte atento das especulações relacionadas com a física teórica que animavam muitas das noites no Salon de Berta. E, claro, as dissertações que a anfitriã fazia sobre Goethe e Nietzsche. Esta cultura de cafés seguirá sempre Slavick, seja em Paris com os expatriados no La Coupole ou mais tarde no Greenwich em Bruxelas. Será uma das coisas de que sentirá falta em Nova Iorque e sobre isso comentará numa carta a Hugo Ball quando este lhe escreve a contar do Cabaret Voltaire, lugar que Slavick, para sua mágoa, nunca chegará a frequentar.(4)(5)
O seu conhecimento das técnicas de impressão acabará por ser útil, anos mais tarde, nos EUA, ao permitir-lhe coordenar alguns dos trabalhos de impressão de fotogravuras para alguns editores bem como para diversos números da Camera Work de Stieglitz. Ainda consegue colocar no mercado alguns exemplares de gravuras de artistas, sobretudo oriundos dos círculos de Paris e Bruxelas, quando as tiragens já são limitadas o que faz subir o preço dos exemplares disponíveis.
A imagem que ilustra esta nota é uma fotolitografia a partir de um negativo do próprio Slavick. Com algum grau de probabilidade é um estudo para uma possível edição policromática, com aplicação de cor em determinadas zonas da imagem, uma vez que esta é uma das suas linhas de pesquisa. A cor foi aplicada com pincel e não impressa, o que não lhe confere o estatuto de verdadeira prova de estado. Assim, também é possível que esta intervenção cromática fosse intencional e feita em todas as provas, o que resultaria num objeto híbrido entre o desenho, a pintura e a fotografia o que estará de acordo com o carácter experimental que atravessa a sua produção. Na realidade, no caso concreto desta imagem, não conseguimos encontrar até hoje nenhum exemplar impresso a duas cores; apenas estudos.


(1) A litografia, inventada em 1796 por Alois Senefelder, tinha sido largamente investigada por Niépce e por Fox-Talbot nas suas experimentações e invenções fotográficas. É preciso não esquecer, que a questão da reprodutibilidade da imagem esteve sempre presente desde o início do desenvolvimento da ideia de fotografia.
(2) Curiosamente será nessa mesma rua que abrirá em 1935 um atelier de impressão litográfica por onde passaram inúmeros artistas checos modernos e contemporâneos.
(3) Ver, a este propósito, alguns trabalhos feitos em Coimbra nas coleções de história natural, de que já demos notícia nestas notas.
(4) Ver SLA/LS/CORR/1916-DE-022
(5) Apesar da sua importância histórica, o Cabaret Voltaire tem uma vida curta entre fevereiro e julho de 1916