Número 8

10 de Julho de 2021

NOTAS DO ARQUIVO

Notas do Arquivo

FRANCISCO FEIO
SLA/LS/VIS/VOL-1901-35


Ainda jovem, Slavick está em Chalon-sur-Saône para a inauguração da estátua de Nicéphore Niepce, em junho de 1885 e assiste à conferência de Alphonse Davanne (1824-1912) sobre o inventor da fotografia. Slavick já seguia o trabalho de Davanne em relação à fotogravura(1) e consegue que este lhe dê alguns contactos em Londres, nomeadamente de algumas pessoas ligadas à Royal Photographic Society, de que era membro, uma vez que atravessaria o canal nos próximos dias.

O objetivo primeiro da visita era ir ao encontro da obra de Roger Fenton (1819-1869) de quem admirava as imagens da Crimeia, a ponto de ter na sua coleção uma prova da famosa fotografia Valley of the Shadow of Death (1855)(2). E apesar da fase orientalista também lhe despertar alguma atenção, sobretudo pelo lado colecionista que revelava e não pelos resultados fotográficos em si (a ideia de recolher artefactos, a construção permanente de um museu pessoal era algo que o interessava), havia outra imagem de Fenton que o acompanhava nas várias cidades que ia habitando. Era uma imagem exterior do British Museum, de 1857, que mostrava a imponência clássica da arquitetura do museu e a presença discreta de uma figura feminina acompanhada de duas crianças, um conjunto com pouca nitidez devido sobretudo ao longo tempo de exposição utilizado, uma marca de efemeridade e transitoriedade que contrastava com a solidez da arquitetura e o peso da história. A cena é dividida ao meio pela vertical de um candeeiro de iluminação pública e que marca o fim do plano de nitidez da fotografia.

Fenton vem a ser o primeiro fotógrafo residente do museu, onde constrói um estúdio para poder fotografar as peças das diversas coleções e vai desenvolver o seu trabalho entre 1852 e 1859(3). Slavick consegue visitar o estúdio, que está desde 1873 nas mãos da Autotype Fine Art Company e consegue ficar uma temporada a trabalhar e a aprender a técnica da impressão a carvão.

A reprodução de obras de arte é tema recorrente nas suas reflexões escritas e nas conversas que vai mantendo com o seu círculo de amigos. Começa a fotografar cedo em museus, um interesse que sempre o acompanhará, quer em museus de arte quer em museus e coleções de história natural(4). Para ele, a fotografia é o meio ideal para colecionar o mundo, para duplicar a realidade, reproduzi-la e conferir ordem, organização ao mundo. Tinha uma cópia anotada do relatório de François Arago, lido a 3 de julho de 1839 na câmara dos deputados, na parte que que se fala do papel da fotografia na preservação da memória e no rigor do processo(5). Para Slavick, a fotografia dá-lhe uma possibilidade de reunir as suas imagens, de construir o seu museu imaginário, muito tempo antes de Malraux o ter teorizado(6). E, ao contrário de Walter Benjamin (1892-1940), a fotografia dá-lhe uma dimensão única quanto à realidade da obra que as antigas reproduções não davam (apesar de ser mais certo na escultura que na pintura)(7). E quando olhava a imagem do exterior do museu, já não era a realidade deste que lhe interessava ou a distância em relação à presença física da arquitetura e do lugar. Tudo isso passava para segundo plano face à realidade própria que a fotografia vinha instaurar.

A imagem que acompanha esta nota é uma prova em papel direto de um falhado negativo de colódio. Existem outros em perfeitas condições, mas é deste a única prova que chegou aos nossos dias o que pode reforçar a ideia do seu gosto pelas imagens no limite da visibilidade. Mostra-nos um fragmento dos mármores de Elgin e, por isso, terá sido um dos negativos que fez no museu. Provavelmente, algumas provas dos negativos bem conseguidos, terão sido deixadas em Londres.

  1. Ver nota anterior sobre o interesse de Slavick pelos processos de impressão mecânica. 
  2. Esta fotografia vai acabar por impulsionar uma viagem de Slavick a Sebastopol apenas para encontrar esta paisagem.
  3. A curta carreira de Fenton acabará três anos mais tarde. Vende o equipamento, abandona a fotografia e regressa à advocacia, talvez cansado da desconsideração de que a fotografia era alvo por parte da organização das exposições internacionais das artes e das indústrias.  
  4. Sobre este assunto, ver notas já publicadas.
  5. https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1231630.texteImage
  6. Malraux, André, Le Musée Imaginaire, 1947
  7. Benjamin, Walter, L’Œuvre d’art à l’époque de sa reproductibilité technique, 1935