Somos palavras. Somos espanto, ficção, companhia. Somos livros. Dentro deles. Fora deles. Além deles. Nuno Marçal sabe-o. Percorre diariamente as aldeias do concelho de Proença-a-Nova, na sua biblioteca móvel. Na bagageira leva mais do que livros.
“O lado social e humano é mais importante que tudo o resto”, diz. Conhece aqueles semblantes como ninguém. São, na sua maioria, pessoas simples. Simples nos desejos e simples no trato. Simples, como já não se encontram num país que parece perder-se no ritmo acelerado dos dias. Nuno conhece-os a todos: cada ruga, cada lamento, cada abraço. Em cada um deles, uma biblioteca.
“Tento levar muito mais do que livros. Muitas daquelas pessoas partilham histórias. Há liberdade, intimidade. Acabam por ser também amigos. Convidam-me a ser visita de casa. Uma biblioteca tem de ser muito mais do que só livros”, afirma o bibliotecário. Porém, o desafio de Nuno agiganta-se perante o envelhecimento e desaparecimento da população no interior do país.
Natural de Castelo Branco, cresceu numa casa onde não havia grandes hábitos de leitura. Mas, na rua principal, onde os pais tinham uma pastelaria, havia uma livraria onde Nuno passava parte dos seus dias a folhear os livros.
“Muitas vezes, o dono ia beber café à pastelaria do meu pai, fechava a porta e deixava-me ficar lá a ler. Alguma coisa havia de ficar”, conta. E ficou.
Já jovem adulto, foi para Lisboa estudar. Em 1998 estava a concluir a licenciatura em Sociologia quando decidiu especializar-se em Ciências Documentais. Em 2000, entrou para a Biblioteca Municipal de Proença-a-Nova e seis anos depois lá estava ele, sentado ao volante de uma Biblioteca Itinerante a fazer aquela que seria a primeira de muitas viagens.
“Além da função base de emprestar livros e disponibilizar jornais e revistas para consulta, a Bibliomóvel tem ampliado o leque de serviços. Por exemplo, é possível entregar requerimentos ao Balcão Único, dar a contagem da água, pagar contas por multibanco ou ter acesso à Internet”, conta.
Num mundo povoado de sons e memória, muitas – demasiadas vezes – chega o silêncio. “Ao longo destes anos vi partir muita gente. Quero e gosto de acreditar que podemos tentar fazer acontecer a diferença no quotidiano destas pessoas. É com esse espírito que todos os dias nos fazemos à estrada. Sou um otimista e ainda tenho esperança num país mais equilibrado e igual no acesso a oportunidades de desenvolvimento sustentável. Ainda tenho esperança”.
Longe da correria das cidades, das altas velocidades, da alta competição e dos altos rendimentos, naquelas aldeias os dias correm devagar. Ali, Nuno regressa sempre. Seja por 10 pessoas. Seja por um leitor. Porque somos bibliotecas. E, como escreve José Tolentino Mendonça, “uma biblioteca é um lugar onde se guarda a memória. E onde pulsa o desejo de futuro”.