Nos primeiros anos de docência, Mário da Costa construía sempre um barco nas escolas por onde passava. Fazia-o com a ajuda dos alunos e era para ali que transportava as suas aulas, levando os miúdos a embarcar na História. Chamavam-lhe “professor caga barcos”.
A partir daquela embarcação, o “capitão” incitava os miúdos a irem para o mar em viagens históricas, numa impressionante aventura que séculos antes espalhara o nome de Portugal pelo mundo.
A dada altura, Mário sentiu que a embarcação estava a tornar-se demasiado pequena. Era preciso levar os miúdos para a rua, fazê-los trovadores ou cavaleiros, pajens, bravos soldados, hábeis espadachins. O professor, aliás, nunca escondeu o gosto pelo teatro: em Coimbra (onde se licenciou) passou pelo Teatro Experimental da Universidade e pela Bonifrates.
Foi assim que, em 1988, nasceu a Viv’arte, ainda como um grupo de teatro na Escola Secundária de Oliveira do Bairro, mas que acabaria por se tornar num caso sério na área da recriação histórica.
A partir dali, durante 10 anos, o grupo manteve-se mais ou menos agregado ao teatro escolar. Até que chegou a Expo’98.
“Dealbava a década de 90 e as comemorações dos 500 anos da nossa epopeia oceânica pontificavam nas causas e nos acontecimentos, culminando na Expo 98 com todo o vigor evocativo da nossa saga trágico-marítima. Ecoavam os grandes nomes e os heróis da aventura de além-mar. Com festa e foguetório com dinheiro a rodos na programação nacional… Ousámos nós ir mais longe”, escreveu o ator, encenador, dramaturgo, cenógrafo, formador e investigador sobre a criação do projeto.
A Viv’arte “sulcou rios e oceanos”, procurando o caminho de alguma perfeição no desempenho e na abordagem à História.
“Almejávamos a autenticidade no apuro do rigor histórico. À nossa volta, pouco ou nada bulia.” Foi preciso muito trabalho de pesquisa, investigação e apuro. E uma dose maior de ousadia.
Sem qualquer apoio do Estado, a companhia manteve-se no ativo durante mais de 30 anos. Em 2021, a pandemia deixou a Viv’arte sem trabalho e sem alternativa e o grupo abriu um processo de insolvência.
O espírito, contudo, manteve-se vivo. “Qual Fénix renascida voltaremos a dar cartas quando abrirem as salas de jogo. Neste corpo ou noutra reencarnação”, prometia Mário da Costa.
Cumpriu: a 1 de fevereiro de 2021 nascia, em Coimbra, a Cooperativa Alamanach com o slogan “Pedras velhas constroem novos castelos”. Herdeira espiritual da Viv’Arte, a nova companhia tem seguido o seu caminho na realização de atividades de índole cultural relacionadas com o património e com a História, na divulgação, promoção e desenvolvimento de projetos de cariz histórico, artístico e cultural.
Enquanto isso, Mário da Costa vai ensinando História na Escola Básica 2,3 Dr. Maria Alice Gouveia, onde dirige o grupo de teatro. Deixou de construir barcos. Mas nunca deixou de se fazer ao mar. Para os alunos será sempre “o Capitão”.