Número 36

30 de Dezembro de 2023

CAIXA ALTA

“Oh captain, my captain”

ANDREIA M. SILVA

Nos primeiros anos de docência, Mário da Costa construía sempre um barco nas escolas por onde passava. Fazia-o com a ajuda dos alunos e era para ali que transportava as suas aulas, levando os miúdos a embarcar na História. Chamavam-lhe “professor caga barcos”.

A partir daquela embarcação, o “capitão” incitava os miúdos a irem para o mar em viagens históricas, numa impressionante aventura que séculos antes espalhara o nome de Portugal pelo mundo.

A dada altura, Mário sentiu que a embarcação estava a tornar-se demasiado pequena. Era preciso levar os miúdos para a rua, fazê-los trovadores ou cavaleiros, pajens, bravos soldados, hábeis espadachins. O professor, aliás, nunca escondeu o gosto pelo teatro: em Coimbra (onde se licenciou) passou pelo Teatro Experimental da Universidade e pela Bonifrates.

Foi assim que, em 1988, nasceu a Viv’arte, ainda como um grupo de teatro na Escola Secundária de Oliveira do Bairro, mas que acabaria por se tornar num caso sério na área da recriação histórica.

A partir dali, durante 10 anos, o grupo manteve-se mais ou menos agregado ao teatro escolar. Até que chegou a Expo’98.

 “Dealbava a década de 90 e as comemorações dos 500 anos da nossa epopeia oceânica pontificavam nas causas e nos acontecimentos, culminando na Expo 98 com todo o vigor evocativo da nossa saga trágico-marítima. Ecoavam os grandes nomes e os heróis da aventura de além-mar. Com festa e foguetório com dinheiro a rodos na programação nacional… Ousámos nós ir mais longe”, escreveu o ator, encenador, dramaturgo, cenógrafo, formador e investigador sobre a criação do projeto.

A Viv’arte “sulcou rios e oceanos”, procurando o caminho de alguma perfeição no desempenho e na abordagem à História.

“Almejávamos a autenticidade no apuro do rigor histórico. À nossa volta, pouco ou nada bulia.” Foi preciso muito trabalho de pesquisa, investigação e apuro. E uma dose maior de ousadia.

Sem qualquer apoio do Estado, a companhia manteve-se no ativo durante mais de 30 anos. Em 2021, a pandemia deixou a Viv’arte sem trabalho e sem alternativa e o grupo abriu um processo de insolvência. 

O espírito, contudo, manteve-se vivo. “Qual Fénix renascida voltaremos a dar cartas quando abrirem as salas de jogo. Neste corpo ou noutra reencarnação”, prometia Mário da Costa.

Cumpriu: a 1 de fevereiro de 2021 nascia, em Coimbra, a Cooperativa Alamanach com o slogan “Pedras velhas constroem novos castelos”. Herdeira espiritual da Viv’Arte, a nova companhia tem seguido o seu caminho na realização de atividades de índole cultural relacionadas com o património e com a História, na divulgação, promoção e desenvolvimento de projetos de cariz histórico, artístico e cultural. 

Enquanto isso, Mário da Costa vai ensinando História na Escola Básica 2,3 Dr. Maria Alice Gouveia, onde dirige o grupo de teatro. Deixou de construir barcos. Mas nunca deixou de se fazer ao mar. Para os alunos será sempre “o Capitão”.