Para Aracne
Este texto é para mim.
Nunca me chamaram autista.
Nem alheada do mundo.
Chamaram-me sensível.
Fora deste mundo.
Disseram-me que não existo.
Como posso existir, se não correspondo à representação de autista?
Representação, ou projeção?
A traição das imagens.
“Ceci n’est pas une pipe“.
Re-presentar é apresentar de novo.
E as mulheres autistas não foram apresentadas.
Quando falam, estilhaçam o espelho e provocam assombro e espanto.
Autista é o meu nome do meio.
Quando usam o meu nome como insulto, insultam-me.
É uma bala perdida que me acerta.
Mas as balas perdidas também matam.
Atravessam a minha carne viva, e tenho de as digerir para viver.
Será que afeta quem não é autista?
Tantos nomes do passado para quem nos aliena.
Esta é a tragédia deste insulto: uma perda de vocabulário.
Que isenta a classe dominante.
Que não entende o mundo onde está.
Que não chama nomes às hierarquias.
Um insulto de crianças tão cheias de si, que ao serem ignoradas, só concebem que não tenham dado pela sua presença.
Dantes era déspota, agora autista.
Dantes era egoísta, agora nem isso.
Sim, a elite está fora deste mundo.
Sim, custa a aceitar.
Custa a aceitar um social só.
Um social que dita a direção da natureza.
Que pena.
Sou contra-natura, sendo natureza pura.
Sou autista.
Autos – eu mesma1.
De mim para o mundo.
1 https://conceito.de/auto