Sopra vento, vindo de noroeste, invade, expõe.
Sopra como Eco, ou que fora Eco e Vento, sopra soprando. Arrasta arrastando montanhosas nuvens, as pluviosas de étimo, âmago, Ônfale.
Sopra sobre o molhe norte de Foz, sobre pescador sentado no banco articulado, segurando assente na perna direita a cana com o carreto, essa alma mó, máquina de sentido, de repetição e sentido, arrastamento e lógica, ilógica, vértice e diluição.
Pescador que tu és ou eu por dentro de fora. Em si e para si é. Tu. Ele por fora de dentro.
Imerso no sopro de vento, na dureza da bátega de água rápida sobre o corpo, sobre o impermeável no corpo, absorto numa duração em que o sol se ocultava e depois reaparecia. A luz que era, a luz é.
Sopra o vento narrador onde a narração se faz Eco.
Sendo Eco. Sendo o que será e o que não será ainda nunca.
Narra narrando a aproximação de um filho do homem, magro, desesperado, magro e de barbas como espique contra o Mundo duro, implausível, homem pugnando por território como atavismo, na rede ávida de território, de condenação. Narra a sua metamorfose, a que deverá ocorrer ao bater-se no campo de batalha dos códigos de comunicação, o de sopro do vento, o da chuva áspera. A que se suspende
Pescador.
Depois homem hirsuto. Palavras breves. Equívoco. O Mar.
O Violento.
A improbabilidade e a ambivalência da sensação do mundo. De Mundo.
Luz. O violeta. Vento.
Tumulto que há e não, e de novo.
Aproximava-se aproximando-se carro com as insígnias da Polícia Marítima. Avança.
Molhe, Mar.
Vento.
Eco.
Sentindo o vento a bater duramente no dorso, que confiança pode ter o pescador sobre a perceção daquela hora e daquela plataforma de cimento armado protegida do ímpeto do mar por pedregulhos e por blocos de cimento? O homem jovem, alto, de olhar bárbaro, que quis disputar-lhe a zona de pesca, é coagido por que compulsão? Por destino? O pescador pensa pensar nos blocos de paisagem, mar bradando, bramindo de longe, o horizonte distante a carregar-se de um azul quase negro. Um destino áspero, sôfrego, preso por agrafos a uma cegueira, a toda a cegueira? Que destino não o é?
Pescador Viajante no Vento.
O veículo da polícia marítima avançou pelo molhe varrido pelos elementos, estacionou. O pescador contemplou com indiferença a manobra e fez um breve movimento com a cana, medindo a tensão no fio. Olha o reflexo da luz incerta nas águas do rio. Por um instante, espreita nas suas costas o oceano indomado indómito. O pescador não sente a aproximação do agente, mas sabe depois as palavras que aquele lhe dirigiu. «Este local é perigoso. Está uma ondulação muito forte com a maré a subir». O pescador agradeceu-lhe, disse-lhe que ia imediatamente para outro local, recolheu o fio e iniciou a deslocação, transportando os seus apetrechos.
Ao passar pelo tipo jovem, alto, de olhar bárbaro, este perguntou-lhe em surdina, cúmplice, se o polícia marítimo lhe dera ordem para mudar. Sim, respondeu-lhe o pescador que eu fui por fora, que eu fora, e acrescentei ao meu interlocutor que, no local em que se encontrava, não deveria haver problemas.
O pescador avançou umas dezenas de metros, recomeçou a pescar, sentou-se sobre a coisa articulada.
Como uma pausa veio o sol. Agora encobriu. Vento.
Uma duração. Gaivotas sobre a foz, as bárbaras.
Recomeçou a chuva. Os primeiros pingos arremessados de noroeste percutem na proteção daquele que está absorto, esteve, enquanto observava a superfície limosa das pedras mais em baixo de molhe. Com uma torção do corpo e com a ação dos braços, o pescador compõe a posição da capa impermeável e do capuz. Chove intensamente. Vento.
Chove continuamente.
A ação daquele que era o pescador, que eu fui e estava, é naquele momento a de segurar cana de pesca com as mãos, mas de forma a protegê-las da chuvada fria batendo duramente.
Uma cortina trémula, agitada, oculta a margem sul. Do lado do oceano, à direita, uma luminosidade de limão e pérola rompe rente à água o negrume como campânula.
O homem cerrou os olhos. Concentra-se a sentir os redemoinhos do vento e da chuva sobre o dorso e a cabeça. Um tempo depois sente a chuva a abrandar.
Vento. As batidas do coração. Vento contra ele. Nele.
Quando abre os olhos, quando os olhos abriu, um sol baixo, a sudoeste, difunde uma luz como um manto, manto cintilante sobre as águas na foz. O pescador vira a cabeça para a sua direita e percebe que não há o homem magro hirsuto nem o veículo da polícia marítima.
Um brusco quase alarme no vento, no Eco. Vira a cabeça para o flanco esquerdo. Autómato estava de pé ao seu lado. Defronte para o astro, cuja luz pálida se reflete como espanto e interrogação no capacete branco.
O pescador percebeu que o seu olhar quis subitamente o sol. No rápido movimento tem a sensação de dupla estrela, de pelo menos duplo motor (incêndio?).
Uma voz dentro profere «Hélios».
«Artefacto», profere uma voz outra.
De onde? De Autómato?
Uma força brusca dobrou a cana. O robalo baila pesou 900 gramas depois de amanhado.