Queria pássaros vieram os mísseis
de Kharkiv na TV do vizinho do 2.º Dto
e os gritos da sua voluptuosa mulher
que era domingo e ainda muito cedo.
Enquanto a manhã entra a mil
a luz lambe-me
vigorosa amante fiel
afio o ouvido perdigueiro
contra o andar do coração abaixo
onde me refugio em cada silêncio
conseguido entre o uso alternado
de máquinas domésticas
e noto que o vidro do espelho da cómoda
(fita-me surpreendido)
merecia já ser substituído.
Enquanto releio o caderno de 1991
«A guerra começou
o meu avô morreu
e vai a meio a malha vermelha
que te darei pelo Natal.»
e afinal não cheguei a oferecer-ta
continuo a tricotá-la
a vermelho
numa sucessão de natais
sem perceber que verdadeira forma lhe dar
a malha sobrevivendo
como o manto do Mestre agostiniano
e eu sem qualquer vocação
perfil ou skill para Penélope contemporânea.
Enquanto o café não sobe
na cafeteira de 1989
e os meus dedos
muito mais do que a minha boca
pedem um cigarro por onde arder.