Número 42

10 de Agosto de 2024

A arte bruta de onde emerge a luz

Os desenhos saem com fúria, são gritos, chegam em carne viva. Trazem dor, confusão, delírio. Mas mal tocam a tela ou o papel, rompem o silêncio que cada um carrega há demasiado tempo.

Na Casa de Artes do Hospital Sobral Cid, ala esquerda do Pavilhão 9 (P9), a arte bruta vem desse lugar íntimo e profundo, para se revelar sem filtros.

Foi com esse propósito que o Centro de Responsabilidade Integrada de Psiquiatria da ULS de Coimbra embarcou, já no final de 2022, no projeto “Nós os Loucos”.

Pedro Renca, enfermeiro especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica, é o coordenador do projeto que reúne um grupo de profissionais motivados. “É importante perceber que nada se constrói sozinho”, salienta.

Conhece, como poucos, esse mundo onde habitam sombras e vazios, mas de onde, tantas e tantas vezes, emerge a beleza e a luz.

Foi na adolescência, quando viu os pais a cuidarem do avô, entretanto falecido, que começou a ter interesse pela forma de “suavizar a dor da pessoa que se encontra fragilizada”, de compreendê-la além do olhar, tratar as cicatrizes e não tanto as feridas, de tentar perceber de que forma se pode contribuir para encarar a vida com uma atitude positiva, mesmo em situações de fragilidade.

Trabalha na área da saúde mental há duas décadas  – primeiro na Unidade Local de Saúde da Guarda (Hospital Sousa Martins), e agora no Hospital Sobral Cid (HSC) da Unidade Local de Saúde de Coimbra.

Depois do projeto “Nós Os Loucos”, o HSD decidiu avançar para uma segunda fase com o “Casa de Artes”. 

“Aqui realizamos intervenções de âmbito psicoterapêutico, utilizando mediadores expressivo-artísticos e, nesse sentido, ao ateliê de arte bruta foram incluídas a olaria e cerâmica, a escrita criativa, fotografia, artesanato e cinema. Em breve, vamos iniciar música e improvisação”, conta o enfermeiro. 

Estas são também áreas a que Pedro se tem dedicado, sempre com o propósito de combater o estigma associado às doenças mentais e de utilizar estratégias para encontrar um equilíbrio. Tem sido assim através do desporto, da pintura, do desenho, da música, da fotografia ou do cinema: realizou as curta-metragens “Esta é a Minha Casa” (2014) e “UMBRA” (2015).
Desde 2018 realiza o MENTALmotorcycle tour, inicialmente com uma etapa de bicicleta com cerca de 200 quilómetros, entre o Hospital Sobral Cid e o Hospital de Sousa Martins, para assinalar o Dia Mundial da Saúde Mental. Nos últimos anos, tem realizado eventos ligados ao mototurismo, unindo várias instituições da zona Centro. 

No meio de todo este turbilhão de afazeres, não tem faltado tempo para cuidar do outro. Nem para se dedicar à escrita onde dá corpo às sombras que (também) o habitam.


Pedro Renca, fotografia de Isidro Bento