A Esfinge
Restaurante — Bar — Marisqueira
A tarde era quente.
O aqueduto sem água, no horizonte,
penetrava a penitenciária.
Atmosfera pouco densa e própria
Céu límpido.
Laranjas e rosas brancas
esborrachadas sobre o vento.
Copas alheadas
Uma dança de sombras pelos edifícios
altos e baixos
que abaixo dos olhos,
coqueteavam uma sensacional frescura
pura paisagem.
Domo excrescente.
Dormentes os dentes da frente e pálpebras cadentes.
No introito da garganta
espavento.
Não tardava, recordava noites
quentes com aquela que ainda não desamava,
por muito que disso se tentasse convencer.
Tacões em surdina e o ignito palmear das cinzas
que ainda lhe aqueciam o corpo em brasa,
gélido e demasiado grande,
maior do que ele podia ocupar.
Toni Tonitruante
era conhecido pelo temperamento
candidamente calmo,
(pelo menos, quase sempre!)
Socialmente
era habilidoso.
Um especialista em recursos humanos.
Ainda hoje, por vezes, se via obrigado a recorrer,
Mas quase nunca.
Fazia por não se acicatar.
Na sala do restaurante
escarpado sobre o mar
soavam cordas delirantes
de se ouvir cantar
aedos com dedos mágicos em frente
ao mar hipnotizante
que contemplava Tonitruante.
Trocara a vida ativa — importações exportações (e a importância de outras questões: negócios na construção, restauração e danças do ventre) —
Pela vida contemplativa, quiescente
A gerir a casa e a escrever secretamente
poesia
sob um pseudónimo feminino.
Decidiu aposentar-se no dia
em que fez de uma ravina um voo picado,
sentado ao volante
cor champanhe prateado
Cromados salivantes devoradores de toda a álea
Galho, arbusto, ninho,
pedra, pau e passarinho
Até à imobilização total…
Sem titubear
saiu pelo tejadilho (nesse momento, um ramo sulcou-lhe superficialmente a testa).
Resguarda-se hoje na escarpa
No restaurante famoso pela generosa carta:
Pesca fresca, crustáceos e bivalves,
Romarias de marisco e espumante de bolha fina,
Vieiras com espuma cítrica e manteigas de lavagante,
Rodovalho, linguado e pregado
(apregoado como o mais tenro!)
Porém, há por vezes um eco dos modos
antigos, refluentes e inadiáveis.
E ainda que egresso do seu habitat tonitruante, Toni,
tinha por vezes que regressar
à prática dos recursos humanos.
Nos primeiros cinco dias
certa alma insciente,
esperou pelo cair da noite
para lhe surripiar o economato.
Julgava certamente regalar-se no seu interior.
Mas foi no exterior — que ainda antes de feita a esquadrinha —
encontrou um bilhete:
ida e volta,
para o dia seguinte, no mesmo lugar
Onde eventualmente deu por si a espreguiçar.
Cinco dias depois,
batiam à porta
uma voz de punho cerrado,
tanto quanto a noite.
Àquela hora da madrugada:
– “Não terá por aí um cigarrinho que me possa dispensar?”
A fumar foi,
para o mesmo lugar
do anterior indivíduo
que deu por si estendido.
E ainda antes da devida parcimónia
com que se desfruta da brisa lunespumante
Após o fecho do restaurante
às escuras Tonitruante,
iluminado apenas pela brasa do seu charuto
avista um ser cambaleante,
ébrio, eructando, aligeirando
a urgência urinária,
na fachada do restaurante.
Admoestou-o
devidamente, e a vida continuou,
como habitualmente.
Tinha agora três novos amigos,
que por ele tinham
muita estima.