Quero desde já deixar aqui o meu agradecimento pelo convite para falar nesta ocasião tão especial para todos nós. Desde que José e Maria se casaram que as nossas vidas ficaram mais ricas — os amigos de um passaram a ser os amigos do outro e assim se constituiu uma grande família de afinidades unida pelo amor de ambos. Nada é mais natural, portanto, que neste momento em que esse casamento se desfaz tão tragicamente, nos reunamos todos para processar, em conjunto, os tempos difíceis por que temos passado e para impedir que esta separação anule aquilo que a união nos deu. Não é de crer que Maria, mesmo fortemente medicada após o internamento compulsivo, vá parar a campanha de acusações contra José, tal como ninguém está a ver que José altere a sua postura de fuga em direção ao horizonte, que, como sabemos, é uma linha que se vai afastando à medida que a ela nos dirigimos. Julgo, portanto, ser fundamental fazer um ponto de situação tal qual ela foi apreendida por nós.
O que sabemos é parcial, porque só Maria falou com toda a gente. Eu próprio recebi um telefonema seu, no dia 22 de fevereiro, em que teve oportunidade de expor a sua fúria. Contou-me que havia descoberto que José tinha outra. Pior ainda, que pavoneava a sua amante pelas ruas e cafés da vila, às horas a que afirmava não poder estar em casa por causa do trabalho extra na empresa. Como seria de esperar, não tardou a que alguém lhe contasse o que se passava, inclusive mostrando fotografias de alta resolução, tiradas com um telemóvel topo de gama, de José a preparar-se para introduzir a língua na boca escancarada da “lambisgoia do contencioso”, segundo as suas palavras. Isto em pleno Café Central, com meio mundo a assistir. Fez, de resto, questão de me reenviar essas fotos, ou uma seleção das mesmas, para que eu pudesse comprovar as graves acusações.
No entender de Maria, aquele comportamento, além de constituir uma despudorada traição aos votos, destinava-se a transferir para si o ónus do fim da relação. Como se não bastasse a deslealdade, tinha-lhe acrescentado a cobardia, vociferava. Achava-se, em suma, parva. Por um lado, era essa a condição a que os atos de José a remetiam, a da mulher traída em público, aos olhos de todo um município de pequena dimensão de uma zona deprimida do país. Em suma, a proverbial última a saber. Por outro, porque, vendo retrospetivamente, os sinais já lá estavam. E deu-me um exemplo: semanas antes, quando se preparava para vasculhar as mensagens e o registo de chamadas de José, algo que fazia com a regularidade recomendada pela terapeuta holística, viu-se impedida de prosseguir porque o código de desbloqueio do dispositivo tinha sido alterado. Na ocasião, não atribuiu especial importância ao facto, afinal os peritos recomendam que se mude as senhas e códigos de acesso com frequência. Encarou aquilo como um contratempo que a obrigaria a descobrir, por meio de uns olhares de soslaio, o novo código. Mas, à luz dos novos factos, tornava-se para ela óbvio que as duas situações — a traição e o reforço da segurança eletrónica — estavam relacionadas.
Mas isto não era tudo. Já uns meses antes se tinha apercebido de que José continuava a falar com a mãe às escondidas todas as semanas, apesar de ela, Maria, o ter proibido de o fazer mais de uma vez por mês, uma medida que considerara necessária à redução do controlo obsessivo que a velha senhora insistia em tentar exercer sobre o filho, desviando-lhe a atenção dos seus deveres conjugais. Maria decidiu não agir na altura, remetendo uma tomada de posição drástica e conclusiva para uma ocasião mais apropriada que, perante os acontecimentos acima descritos, não chegou a ter lugar.
Da parte de José, nada sei de concreto. Ao que parece, ter-se-á despedido da empresa e dedica-se agora a percorrer resorts no Mediterrâneo, segundo a torrente de fotografias que publica nas redes sociais. Não sabemos se sozinho ou com nova companhia, uma vez que a amante conhecida por cá continua, sem mostrar sinais de constrangimento, apresentando-se com a assiduidade laboral que sempre a caracterizou e ostentando um carro novo que ninguém percebe como poderá pagar com o salário de fome que recebe, ainda mais com dois filhos pequenos. Tentei falar com José várias vezes, como sei que vários de vós fizestes, mas nunca me atendeu e, pelo que pude apurar, ninguém conhece a sua versão dos acontecimentos. Poderemos considerar esta opção pelo silêncio uma assunção de culpabilidade, mais uma prova de uma fraqueza moral que não lhe conhecíamos? É uma interpretação possível, mas a literatura sobre o tema levanta várias possibilidades, introduz elementos de complexidade na avaliação daquilo que, à primeira vista, parece mais um caso clássico de pusilanimidade e recusa de responsabilidades tão tipicamente masculinas. É uma questão complexa, cuja abordagem em muito excederia o tempo de que disponho para esta intervenção e que, proponho, poderemos debater no período de discussão que se seguirá à apresentação de todas as comunicações.