Disse-me: “Agora a menina vai subir aqui para o banco para tirarmos o retrato.”
Quando o fotógrafo chegava alastrava pela aldeia uma alegria parelha do surgimento dos prestidigitadores ou do animatógrafo. O fotógrafo era um barco em tanta terra, fazendo-se acompanhar por telas onde se desenhavam cenários exóticos de índole colonialista que exibia através de painéis habilidosamente dispostos e que emprestavam um destino idílico aos poucos que podiam pagar uma fotografia. Aqueles, a quem esta ficava interdita, participavam dessa mesma sorte projetando-se nos cenários que os resgatavam aos dias pobres e anódinos.
Achava piada aos castelos, praias e portos amuralhados ou mesmo às florestas de arbustos, amoras e flores, dispostas ao centro ou encostadas aos cantos, pórticos de uma galeria que guardava as sombras do mundo.
Achava menos piada aos restos bruscos dos últimos jeitos ao cabelo, escovadelas e puxões pelas pregas, aos restos frescos da roupa nova e da cara esfregada a água e sabão.
Antes de subir agradavam-me os outros meninos que ascendiam ao posto de flores da cena, astros daquele mundo, monumentos de um momento para a posteridade, tão limpas as suas carinhas sobre as fardas aprumadas e a sua impecável pose apenas perturbada por pequenas oscilações emotivas que o clarão da máquina esborrachava.
Depois de subir voltava a brusquidão das correntes de ar, formigando sob as minhas ancas, espinha e cocuruto. Perante o silêncio da plateia, acometia-me uma súbita ânsia de coçar pulsos e tornozelos.
“Vamos lá, põe-te bonita!” — repreendiam-me. Da beleza conhecia os pores do sol dos selos, as pálpebras baixas das meninas nos manuais. “E se, agora saltasse?!”. Podia fugir ou mandar tudo abaixo. Não era eu a estrela e a máquina apenas sol passageiro, súbdito a quem cabia a tarefa de me conservar a luz para todo o sempre?»
Ilustração de Diogo Bessa