Vamos imaginar que o bode é consciencioso
e a hiena cínica.
Vamos imaginar que eu sou o bode e tu a hiena.
Vamos imaginar que decidimos trocar de pele
não como exercício linguístico ou ético
sequer metáfora amorosa
nem cobertor de colono americano oferecido a índio
mas como quem troca de camisa ou de galhardete.
Eu fico então cínico e quando os demais vierem golpear-me com as suas culpas
rir-me-ei com uma excitação incontida
que os fará recolherem-se com medo de que o meu riso os denuncie
e que o meu cinismo seja uma sintomatologia do final dos tempos.
Tu, por tua vez, ficarás conscienciosa e todo o animal doente
que te cair no dente saberá a matéria oportunista
e a troféu imerecido e quererás limpar o focinho em erva doce
o que só te deixará um amargor de boca.
Talvez o mundo fique melhor
regressados assim a La Fontaine e à sua língua
que nos lamberá como selos ou bezerros
pelo que continuaremos a trocar de pele
eivados dessa ingénua esperança
até que a carne absorva os nossos sinais contrários e finalmente os ossos
que doaremos à ciência para que os estude ou roa
que é ofício digestivo similar
de quem nos arrancou a alma à proveta.