MAGENTA — LUTA DE CLASSES
Das lutas, a avó e a irmã, só conheciam a do dia-a-dia: um embate do corpo, que pedia repouso ou um posicionamento horizontal, contra a vontade toda afeita ao dever, exigindo elevação; da classe, assim no singular, a da mulher do Doutor, e, no plural, aquelas que o pai lhes negava porque em casa havia matéria suficiente para várias vidas compostas de um manso contentamento.
A avó queria-te de uma tristeza limpa e bem penteada: um risco cortado ao meio, como uma estrada onde não te pudesses perder, mas as putas das camélias haveriam sempre de se desnudar abrindo um caminho escorregadio que te faziam deslizar até à casa do Júlio que insistia, em vão, para que lhe mostrasses o pito, como a Lena, sua irmã.
Não lho mostrarias (não por qualquer tipo de virtude, inocência incluída, mas pelo trabalho que dava mostrar partes do corpo que não estavam socialmente à vista) ainda que ele utilizasse o termo pipi, ou pombinha, se chamasse Jokas, não tivesse irmã, morasse na única casa com piscina, embora a avó tentasse iniciar-te no domínio de celebrar alianças e sofresse toda a impureza que trazias dessa casa onde as raparigas já chegavam mortas e iam a enterrar numa caixa de sapatos (mais tarde o Júlio morrerá por uma caixa de adidas que não lhe garantiriam a velocidade que a publicidade havia prometido).
Não sabes porque preferias a casa do Júlio, talvez em ti se insinuasse já uma inclinação pela arte povera; talvez antecipasses Brutti, sporchi e cattivi, apreciando-lhe primeiramente o caos das personagens e só depois a ordem fílmica.
Tudo isto se passava na aldeia que não era nova nem caía para o neo-realismo.
No comércio embrulhavam-se os espécimes em jornal e, se nele figurasse a figura do Cunhal, furavam-se-lhe os olhos com os dedos que a terra haveria de comer pois a alma, essa!, seguiria direita ao Criador.
As sardinhas secas a sair dos orifícios, com o diâmetro dos dedos da tia-avó, sobre o rosto do Cunhal, constituíam símbolo mais vívido do que o sangue volvido vinho ou a carne pão.