Número 19

5 de Fevereiro de 2022

O LADO INCERTO

Como espinha como osso

Ana Paula Inácio

«Messieurs et mesdames

corto, agora, os cantos

à boca

para que

quando me olheis

possais rir melhor»

Malesdoutrem, 2015

Como espinha como osso

Há um verso

Um crivo que me crava

Palavras contra a garganta

Um verso onde dizes

Que te cortaram os pés

Para caberes no berço

À medida d’outro corpo

Um verso donde te levantas

Com pés de palha

Para atravessares o fogo

Por onde sobes

Com pés de barro

Entre picos de gelo

Um verso onde recusas

Pezinhos de lã

Para habitares palácios de soberba

Um verso onde dizes

Que só com pés imaginários

Constróis o teu passo de dança

E há a boca com que o dizes

E rasgas os cantos

Onde a violência s’esconde

Sob o teu verso há um cravo E sangra sangra


Ilustração de Diogo Bessa