À passagem do corpo, os espaços nunca mais serão os mesmos.
O espaço é na sua origem uma grande sala de espera do corpo. Um campo de caminhos em potência, onde as distâncias vazias entre pontos são preenchidas por todas as construções do corpo em movimento. O espaço é o corpo em movimento, onde cada um de nós anda de um lado para o outro e assiste à passagem do tempo. É uma espécie de sala de cinema, onde o intervalo é a distância vazia entre dois pontos que o corpo reconstrói a cada instante, através das suas corridas e de todos os movimentos de projecção para fora de si. É a sala de todas as máquinas de ginástica do corpo real e imaginário do ser humano.
O corpo repete para aprender melhor, copia para aperfeiçoar, erra enquanto caminha, l/imita para ser mais livre, confunde para ser maior. Exercita-se porque sabe que o pensamento que vale é aquele que anda e que se desvia no caminho.
Sem corpo não há espaço, nem arquitectura. Dele nascem os espaços por onde cada um de nós erra.
Errar é caminhar em diálogo permanente com tudo o que o/fende o corpo. Quando falamos entre-nós, com a consciência de que falar é a primeira forma de habitar, o que estamos à procura, é do corpo no lugar arquitectónico do outro.
A arquitectura é sempre corpo, um corpo em processo d’obra aberta que se consciencializa em cada novo movimento e nos entremeios das suas i/medi(a)ções.
Poeticamente o homem habi(li)ta o corpo do espaço.
Na sua errante busca de sentido para a vida, o corpo liberta partículas, fragmentos i/materiais para o espaço, na forma de pensamentos, palavras e imagens, que nos inspiram e sopram.
A arquitectura pede corpo, o corpo necessita de espaço para poder ex(er)citar alguns dos destinos e in/tensões com que foi magicamente projectado. A arquitectura é uma máquina ontológica de produção de afectos, que salva e guarda constantemente o corpo memorial, de quem a constrói, habita e pensa, em estado de actualização poética permanente. Transforma-se no corpo de quem nela vive, à medida que é consciencializada enquanto dispositivo de percepção e pensamento transdisciplinar, das múltiplas tipologias de corpo que cada um carrega. Coloca-nos em movimento, sempre que intensificamos os gestos diários e os transformamos em esculturas i/materiais, resultantes da essencialização poética da consciência, sobre as substâncias e matérias com que cada um de nós entra em contacto, nas várias actividades quotidianas.
O dia-a-dia transformado em laboratório artístico, de passagem dos gestos a formas criativas da consciência, torna-se assim o lugar do corpo por excelência, de reconhecimento permanente das potencialidades das re/acções humanas sempre à procura de novos sentires e novas re/parações.
Partir à descoberta da vocação artística do espaço quotidiano e exercitar o aparelho reprodutor artístico latente no corpo de cada um, é o sentido maior da vida do corpo no espaço.
Afectivamente o homem habi(li)ta o espaço, com novas formas de ser. A geometria é a relação de afecto que estabelece com a natureza.
O corpo é o primeiro material de construção do espaço. A única unidade de medida sensível, capaz de se relacionar com ele, de acordo com as espécies de corpo que nos qualificam e intensificam. A imagem, o movimento e o amor tornam–se assim os três últimos materiais de construção do espaço por vir com a forma de uma casa sem órgãos: uma espécie de animal doméstico dos afectos, capaz de nos ensinar a intensificar o corpo-presente da vida, que nos impela e transportamos de um lado para o outro à procura de sentido poético e afectivo.
Sem corpo não há espaço arquitectónico. Sem corpo não há a “outra luz”, a da percepção, que ilumina e elimina o vazio dos espaços e do corpo, próprio e dos outros. O corpo é o dispositivo constelar de todas as ligações e i/medi(a)ções. Sem ele os espaços não tinham consciência de si próprios. O corpo é a in/consciência i/móvel e i/material do espaço. O corpo é a razão de ser do espaço em movimento. É ele que instiga todas as suas substâncias, essencializando-as, intensificando-as e actualizando-as através da memória e da imaginação que o activam à medida que se desloca nele. O corpo é a sombra omnipresente do espaço, a medida de todas as suas aparências nele.
Os gestos são as ideias do corpo no es/passo, transformados em arquitectura cinematográfica multidimensional, passível de ser apreendida através de caminhos infinitos que só a experiência directa, sensorial e visceral do corpo permite, montar.
Se do ponto de vista arquitectónico o movimento está no intervalo entre-corpos, o nosso o dos outros e o do espaço, já do ponto de vista cinematográfico o movimento está no intervalo entre-imagens cuja génese é a morte: a primeira imagem de todas, antes da ideia do osso, índice do espanto humano perante a morte.
No início (do corpo no espaço) é o osso.
Osso o corpo no es/passo.
(Os Espacialistas dão erros!)
Em Latim “imago” e “ossa” são equi/valentes.