1.1 Seria preciso amputar dois dedos para que a mão representasse o número exacto de dias que faltam para Agosto terminar.
E desejaríamos transplantar a festa para um vaso capilar onde a pudéssemos ver crescer fio bordando uma vívida flor vermelha ou um coração de corça em época de caça.
Mas o bar já se recolheu e o empregado a recibo verde varre as penúltimas testemunhas silenciosas como copos de plástico.
1.2 O Zé Berto era músico. Vivia na Praia de São Mateus com galinhas e gostava de rapazes. Os rapazes eram raros ou umbrosos. As galinhas circulavam livremente por entre as partituras dos eruditos onde aninhavam e punham ovos. Por isso, havia sempre um ovo a rolar e esse movimento distribuía rastos pelo canoro chão de madeira. Acreditava-se que algumas manifestavam preferência por certos autores, instituindo uma exclusividade próxima de uma relação formalizada. Zé Berto acabava por as designar pelo nome dessa preferência que originava famílias numerosas.
A oeste, uma baleia observava os homens petrificada e as flores nasciam sobre um vulcão adormecido, contrariamente à cabeça de Zé Berto que explodia em acasos musicais, que podiam ser a doença de infinito, numa outra ilha.
Corria o ano de 1990 quando o conheci, em Sta. Cruz, no Apolo 80, e, entre comida gordurosa, ensinou-me a fazer cocktails molotov.
Penso que o Floris terá criado uma bebida em sua homenagem. Uma bebida branca que deitaria fogo à laringe e água límpida sobre a voz; uma bebida branca como a ilha que o vira nascer, uma bebida branca como a ilha que o vira morrer, imagino, no meio uma circum-navegação em carne viva.
Ilustração de Diogo Bessa