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O comércio local foi muito importante para mim, foi lá que encontrei algum espaço para falar sem a sujeição aos preconceitos das pessoas, outrora íntimas, que representavam um passado desligado do meu presente. No comércio local, as pessoas tendem a ser simpáticas connosco e a concordar com tudo o que dizemos porque nos querem vender os seus produtos. Encaro essa etapa como um primeiro momento em que deixei de me sentir incompreendido, pressionado. E isso revelou ser fundamental para o meu bem-estar. Foi na sequência desta minha nova vivência que adquiri a drusa de ametista. Ao princípio encarei a compra como uma espécie de pagamento pelo tempo que B. me dedicava na sua loja, mas logo reparei que tinha sido mais que isso. Coloquei-a no corredor da entrada por ser o sítio mais central da casa, como me foi recomendado, e…
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Primeiro foi o sono, notei logo as melhoras. Voltei a dormir um sono seguido e restaurador. Só isso faz logo uma grande diferença. E depois uma capacidade renovada para me aceitar, para começar a excluir da minha vida as pessoas que não me faziam bem, que me queriam formatar à medida dos seus desejos, que se queixavam dos meus comportamentos, que elas consideravam agressivos, intrusivos, possessivos, tresloucados ou irritantes. Recuperei a alegria, até engordei um bocadinho. Julgo que terá sido dos iões de ferro, que dão à ametista aquela coloração particular e que também têm um forte poder energético, poder esse que foi anulando o elemento embrionário de aversão que ocupava cada vez mais o meu dia-a-dia.
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Porque um dia li no Facebook que a drusa poderia ter origem no sofrimento alheio, e isso acabou por constituir o impulso que faltava para esta minha nova vida, o meu novo eu. Seria justo obter aquele bem-estar a partir de um objeto extraído às custas do sofrimento alheio? Essa inquietação levou-me à Zâmbia, a origem certificada que vinha na etiqueta da drusa. Viajei sozinho para resolver aquela questão sem a contaminação de influências externas, verificar o que se passava com os olhos limpos. Mas o que encontrei surpreendeu-me. Ainda recrutei um grupo de mineiros façanhudos para uma fotografia tirada com o temporizador na qual, no momento do disparo, estávamos todos a saltar alegremente de braços no ar. Aceitaram fazê-lo por uma quantia irrisória para mim, mas que para eles foi seguramente transformadora, das suas vidas e do futuro dos seus filhos, que são muitos. Afinal, creio que é esse o problema daquele país, a quantidade desmedida de crianças, que é insustentável, e não as condições de trabalho nas minas. Mas o que me apaixonou foi a imensidão dos planaltos, dos rios, o vigor da natureza, a vida selvagem, o cheiro da terra, o tal cheiro a África, mãe África. Aquela experiência de comunhão com os inertes e os irracionais e a energia que eles irradiam preparou-me para mandar tudo e todos para o diabo que os carregue e por fim abraçar a minha individualidade, a minha autossuficiência moral num sítio onde ninguém me julga nem tenta influenciar. A mudança para uma geografia adequada, um lugar onde somos rodeados do que nos faz bem é um passo crucial, essencial, fundamental para a transformação pessoal. É essa a grande lição que quero ensinar ao mundo quando tiver tratado das burocracias da expatriação.