Já se habituou às críticas, aos olhares de soslaio quando comenta que vai partir para mais uma peregrinação. Lourenço não liga à maledicência. Há demasiado tempo que percorre quilómetros para cumprir promessas que nunca fez.
Tudo começou quando a mãe, católica devota, prometeu ir a Fátima caso o filho recuperasse de uma leucemia. Foram tempos difíceis aqueles: todas as semanas saía de madrugada com o menino ao colo, ainda meio adormecido, para chegarem a horas ao tratamento. Viu-o definhar, perder os caracóis, chorar baixinho com dores.
O filho sobreviveu depois de um transplante de medula e a promessa tinha que ser cumprida. Mas a crise — a maldita crise — obrigou-a sair do país, depois da fábrica ter deixado de pagar os salários. Os pequenos ficaram na aldeia com os avós. Enquanto isso, os anos foram passando, e a promessa continuava por cumprir.
Um dia, falou disso ao rapaz mais velho. Lourenço nem pensou duas vezes. Foi buscar o cajado do avô e rumou aos Santuário, levando apenas o essencial: roupa, água e comida.
Aqueles cinco dias de estrada foram difíceis, sobretudo quando os pés se encheram de bolhas e as pernas fraquejaram. Mas gostou da espontaneidade da viagem, dos momentos de reflexão, da partilha, do desafio à resistência física.
Meses depois de ter cumprido aquela missão, e ao ter-se cruzado com tantos peregrinos pelo caminho, achou que poderia ajudar outras pessoas a cumprir as suas promessas.
“Se alguém vive no estrangeiro e promete ir a Fátima mas não tem possibilidade de vir a Portugal, qual é a opção? Se tiver um problemas de saúde que o impossibilite de ir? A verdade é que quem me paga não deixa de fazer um sacrifício. E um pagamento pode ser um sacrifício maior do que fazer um esforço físico”, justifica.
Lourenço sabe que, tal como os seus colegas de “profissão”, não está mandato pela Igreja para cumprir promessas. “Não aceito, contudo, que alguém venha dizer que tenho mais ou menos fé do que outra pessoa. Ou que estou a enganar as pessoas”, adverte.
Tal como em todos os negócios, também este tem que ser feito na base da confiança: é passado um recibo para cumprir todas as questões legais e fiscais, e um certificado — durante o percurso, o “pagador” tira fotografias dos cafés ou das igrejas por onde vai parando. Por cada peregrinação Lourenço cobra entre 2000 e 3000 euros. Mas, por muito menos, também reza o terço ou acende velas (cada vela acesa custa 25 euros).
Nos últimos anos tem feito duas a três peregrinações por ano, mas este já foi chão que deu uvas. Também aqui, a concorrência começa a dar cabo do negócio.
Por isso, começou a oferecer outros serviços: limpa e faz manutenção de campas, podendo incluir velas, flores, lápides. E, se necessário, também vela os mortos.
Garante que o objetivo principal é ajudar quem precisa, de modo consciente e dentro da sua fé, a cumprir algo: pode ser uma promessa ou reconhecimento de alguma que aconteceu de bom. “Se eu estou disponível para ajudar a realizar os serviços, e se posso beneficiar disso, porque não fazê-lo?”.
Enquanto as pernas aguentarem e a saúde permitir, aceitará cumprir peregrinações por graças concedidas a outros. Nunca se sabe se um dia não será ele a acetar as dívidas pendentes com o divino.
Mas isso são contas de outro rosário.