A notícia da morte de Matiz apanhou-me na recolha das bagagens do aeroporto, quando liguei os dados após o sono medicamentoso da viagem. “Matiz morreu”, dizia, sem mais pormenores, nem sequer um emóji. Apanhado naquele não-lugar, fui tomado por uma não-reação, ou melhor, por um espanto sem norte, como quando as entidades fecham velho um museu a que nunca fui ou quando as autoridades arrancam a calçada à portuguesa de um quelho que nunca percorri. Mais velho que os velhos e sem família conhecida, Matiz fazia parte da vida de todos nós sem que fosse objeto das conversas, sem que alguma vez soubéssemos se aquele era o seu verdadeiro nome, próprio ou de família, ou uma alcunha que trazia de uma infância incógnita.
Imaginei as reações no local de partida: loas, rememorações obituárias, orações pré-prandiais, telefonemas de consolo, nada com mais capacidade para alterar a ordem pública e a produtividade da economia que o rebater insistente de sinos aos braços de um jovem sacristão. Seria, pensei, mais uma daquelas mortes que só se sentem com o passar o tempo, naqueles momentos em que uma ocorrência nos devolve a personagem fortuitamente ao presente. Matiz, na sua discrição, não se fazia sentir, não se intrometia, ninguém lhe punha a vista em cima durante meses a fio, e isso certamente determinaria a sua posteridade.
Vim a saber mais tarde, no meu regresso, que havia quem o considerasse tão importante como o ar que respiramos, quem tivesse visto no seu falecimento o fim, senão do mundo, pelo menos de um mundo, e que foram tentadas homenagens que destacaram a leveza e a lisura do seu passar, mesmo nos últimos e, consta, mais andrajosos dias. Mas as palavras então proferidas com o fito de assegurar a sua permanência acabaram perdidas, porque as ondas sonoras não se propagam no vácuo. Uns meses após a sua partida, restava de Matiz um choque perfunctório, insuficiente para alterar a pulsação dos que em breve se lhe seguiriam.