Nascida em 2000, a Marionet é uma companhia de teatro de Coimbra com um trabalho continuado de cruzamento das artes performativas com a ciência. Desenvolve criações artísticas originais a partir de temas científicos, realiza investigação na área da intersecção artes performativas-ciência, promove trabalhos artísticos colaborativos com cientistas, participa em projectos de formação avançada em centros de investigação científica e está envolvida em projectos de ciência participativa.
O texto que se segue é sobre o trabalho MIM – My Inner Mind, escrito pelo director artístico, Mário Montenegro.
Incorporar a Ciência no Teatro
Algo que caracteriza o trabalho artístico da Marionet é a flexibilidade dos processos criativos que promove. Após mais de duas décadas de experiências, é difícil para nós encerrar os nossos métodos de trabalho artístico em um determinado modelo. Cada ideia, cada equipa, cada espaço, vão definindo, em conjunto, as ferramentas e métodos de criação que são usados para desenvolver um determinado projecto. O ponto de partida para uma criação pode ser uma ideia, um conceito, um tema ou até, menos frequentemente, um texto dramático.
Esta indefinição será, paradoxalmente, algo que ajudará a definir a identidade da companhia, e estará ligada, por um lado, à sua ambulância por diferentes espaços de apresentação pública, por ausência de um espaço próprio para esse fim e, por outro, à efemeridade das equipas artísticas, fruto da incapacidade financeira para a manutenção de uma estrutura artística permanente.
Quando necessitamos definir-nos numa frase, podemos dizer: “Somos uma companhia de teatro de Coimbra especializada em trazer temas científicos para o palco.” Situamos a nossa actividade na área dos cruzamentos disciplinares entre teatro e ciência, por dedicarmos a esta interacção a maioria dos projectos que desenvolvemos. Esta particularidade constituirá, eventualmente, a nossa marca distintiva no contexto da criação artística portuguesa contemporânea.
Um espectáculo que incorpora todas as dimensões atrás referidas e que poderá servir como um exemplo do que fazemos e de como o fazemos é o MIM – My Inner Mind.
Criado especificamente para ser apresentado nas instalações do Centro de Neurociências e Biologia Celular, é um dos resultados da residência artística que a Marionet realizou, em 2010, neste centro de investigação da Universidade de Coimbra.
O desenvolvimento do trabalho partiu de dois temas genéricos: cérebro e memória. A partir daqui o processo de criação atravessou um conjunto de etapas. Revisitámos, desde logo, o arquivo de materiais resultantes da nossa residência artística no centro, com uma profusão de fotografias e vídeos. A um período de documentação e estudo seguiu-se a pesquisa prática na sala de ensaios. Um exemplo: após uma parte inicial do ensaio que consistia num treino físico intenso de cerca de uma hora, os intérpretes ficavam deitados, de olhos fechados, a ouvir, sentir e pensar o meio envolvente durante cerca de 30 a 45 minutos, e finalmente registavam por escrito toda a memória que tinham dessa experiência. Este exercício revelou-se importante para dirigir os intérpretes a percepcionar o mundo com outras partes do corpo e a prestar uma atenção detalhada aos mecanismos do seu próprio pensamento. Daqui surgiu também a opção de o guião do espectáculo ser um conjunto de textos escritos pelos três intérpretes. Realizámos ainda sessões de improvisação de movimento a partir das ideias de células e processos cerebrais, e várias sequências daqui resultantes foram incorporadas no espectáculo.
Quando enfrentamos o desafio de apresentar um espectáculo num espaço não convencional (para teatro) – algo que fazemos frequentemente –, uma parte importante do trabalho criativo é pensar de que modos incorporaremos esse espaço na nossa criação. No Centro de Neurociências a opção foi utilizar vários espaços com funções e carácter distintos, partindo da metáfora de olhar para o Centro como um cérebro que estuda o cérebro. O espectáculo acontecia em vários espaços que o público ia percorrendo sucessivamente num percurso pré-definido – o átrio, os corredores, a biblioteca/sala de reuniões/sala de refeições, o laboratório, o auditório, o armazém. Aproveitámos a dimensão do Centro para criar um percurso labiríntico a remeter para a ideia de circunvoluções cerebrais. Ao longo dos vários espaços foram inscritos textos, projectadas imagens, colocados objectos, que procuravam activar nos espectadores a invocação de memórias. Os textos e o próprio jogo sombra-luz da iluminação remetiam para as zonas claras e escuras, para as presenças e ausências dos nossos processos de memória. No início, os espectadores vestiam uma bata branca, incorporando a tarefa de investigação dos seus próprios processos de criação de memória, usando o protocolo teatral estabelecido pelo espectáculo. A possibilidade de poderem filmar a peça reforçava essa ideia de pesquisa através da criação de registos de memória adicionais.
MIM – My Inner Mind é um óptimo exemplo do que procuramos ao transpor ciência para o palco – imbuir as ideias e conceitos científicos na forma do próprio espectáculo.
Ficha artística e técnica
Discussão e ideias: Alexandre Lemos, Filipe Eusébio, José Miguel Pereira, Lígia Anjos, Lucília Raimundo, Mafalda Oliveira, Marcelo dos Reis, Mário Montenegro, Marta Félix, Pedro Andrade
Textos e interpretação: Filipe Eusébio, Lucília Raimundo, Mário Montenegro
Encenação: Mário Montenegro
Espaço cenográfico, figurinos, adereços e imagem: Pedro Andrade
Música e interpretação: José Miguel Pereira, Marcelo dos Reis
Iluminação e direcção técnica: Mafalda Oliveira
Assistência de montagem: José Castro Gomes, Rui Capitão
Fotografia: Francisca Moreira;
Registo e edição vídeo: Ana Félix
Penteados: Carlos Gago
Produção executiva: Alexandre Lemos, Marta Félix, Teresa Girão (CNC)
(vídeos do espectáculo, da Cena I à Cena XIV, em )