“Faixa de pano resistente e ajustável que permite transportar um bebé junto ao corpo”
(voz de homem, com alguma solenidade).
— É a sua definição?
(voz de mulher com impercetível agressividade)
— É a definição de “sling” no Dicionário Priberam. Nós não temos uma palavra, na língua portuguesa, que designe adequadamente este artefacto.
— Que tal capulana?
— Exatamente. Diz muito bem. A capulana é um pano tradicional em Moçambique e na África oriental, provavelmente trazido da India. Tem múltiplas utilizações… vestimentais.
(hesitação na palavra vestimentais, como se receasse a utilização de um neologismo)
— Entre as quais a de blusa transportadora de crianças pequenas. Mas, desculpe a insistência, gosta da definição?
— É uma definição na perspetiva do adulto. De facto, permite ao bebé prolongar a proximidade intensa do corpo da mãe, idealmente, ou pelo menos de um outro corpo. (pausa)
O êxito do sling resulta mesmo da natureza altricial do bebé.
— Defina altricial.
(quase cortante)
— Altricial é justamente a característica biológica de, numa determinada espécie, os nasciturnos serem muito prematuros. Incapazes de autonomia na procura e obtenção de alimentos, na conservação do calor, na higiene, na defesa de predadores…
— Defina bebé.
— A criança humana, do nascimento até à aquisição da marcha.
— Isso são fronteiras arbitrárias, não são?
— São, sim.
Podemos concluir que o sling, ao permitir o contacto do bebé, numa situação de repouso e movimento, imita provavelmente a circunstância fetal.
— Essa faixa de pano tem de obedecer a alguns requisitos especiais?
— Geralmente é elástica e de um material confortável para o bebé, como malha acrílica ou jersey.
Tem um comprimento variável, dependendo do comprimento do adulto e do tipo de fixação pretendido. Para um transporte lateral simples bastam 2,70 metros. Mas para um cruzado na frente, uma cruz envolvente ou uma dupla rede são necessários 4,60 metros. Este tamanho é o preferido para pessoas com ombros ou costas largas…
(olhando para ela de soslaio)
… barriga ou mamas grandes. A largura é geralmente de 60 cms.
— Pode ser mais preciso?
(ríspida)
— Se está com dúvidas sobre o seu tamanho, meça a distância que vai do ombro ao osso ilíaco contralateral.
(olha em redor, como se procurasse uma fita métrica e depois fixa-se no ombro esquerdo dela e desce, obliquamente, até à cintura).
A regra é: entre 54 e 59 cm o seu tamanho é S. Entre 60 e 65 cm, M. Entre 66 e 69 cm, L. Entre 70 e 74 cm, XL. (pausa)
Se tem mais de 74 cm aconselhamos um contacto pessoal com uma das casas que estão a comercializar o produto (pausa)… ou com o autor deste serviço.
— Estas dimensões dizem respeito ao pano, a forma clássica de sling. Mas há, no mercado, uma variedade de artefactos, como lhes chamou.
— Chamei? Tem razão. Existem variantes, como o sling de argolas e o pouch, com outras características e formas, mais simples, mesmo na fixação. Se não se importa, nesta entrevista abordaria apenas o pano, por razões de eficácia de mensagem.
— Já que a mencionou, pedir-lhe-ia então que se referisse à fixação do pano. Devo dizer-lhe que me parece ser o fator limitante da sua utilização. A sua complexidade afasta muitas utilizadoras.
— E muitos utilizadores. Mas sem razão.
Instruções para usar o pano:
Há várias formas de colocação. Uma referência refere quatro. Outra, seis. Todas têm como objetivo assegurar uma posição estável, segura, fisiológica, natural. A mais usada é a Fixação Cruzada também denominada de Amarração Cruzada (veja instruções no site Mães de Portugal, e treine inicialmente com um boneco do tipo Nenuco ou Silicone Life). Na gravura, a Amarração de Costas incluindo o bebé, muito útil no tele trabalho.
— Uma última questão. O sling permite que a postura do bebé seja a mais adequada ao seu crescimento? Não há contraindicações, por parte da Ortopedia ou da Osteopatia?
— Terá de lhes perguntar. (pausa, ruídos nasais) O que posso dizer é o que tenho visto. No primeiro mês o bebé é geralmente virado para o corpo do cuidador: posição de “contacto frontal” ou “barriga com barriga”, como dizem os que têm a barriga muito alta. Nessa posição pode dormir e mesmo mamar, se quiser e o adulto for lactante. (pausa, como se aguardasse um sorriso que não deve ter tido, pois prossegue apressado e com voz pretensamente neutra) Mais tarde pode ser colocado em posição lateral, a preferida pelos homens aderentes
(ver a propósito, o interessante site Pais de Portugal).
A partir de certa idade o bebé prefere estar virado para a frente, costas contra o peito, na posição designada por “O bebé virado para o mundo”.
— Muito poético.
(irónica)
— Muito. Esta posição exige, no entanto, que o adulto transportador esteja virado para o mundo, ou pelo menos, virado para uma parte interessante do mundo.
— O que nem sempre acontece, não é verdade?
(ela, com voz de quem está virada para a parte mais desinteressante do mundo)
— Nem sempre. Mas quando é o caso…
— Quando não é o caso…
— Quando não é o caso, a criança revolta-se, exige movimento, ação, horizontes, novidade. As crianças pequenas não são um sujeito passivo dos cuidadores. Antes os motivam, levam a reinventar-se.
— Aqui está uma maneira bonita para terminar esta primeira entrevista. Obrigado por ter, desta forma, explicado as vantagens do uso do sling aos nossos leitores e leitoras. No próximo número sugeria que nos falasse do andarilho ou aranha.
— Com todo o prazer.
(com falsa alegria)