Número 8

10 de Julho de 2021

CASA & JARDIM

Monstera deliciosa

M. SILVEIRA FERNANDES

Lá fora o mundo explode. Segundo a autarquia, trata-se da requalificação de um troço de cinquenta metros de rua, na verdade um nome pomposo para a mera substituição de lancis, mas qualquer observador participante diria que assiste aos últimos capítulos do fim dos tempos. O pior de tudo é a cadência glaciar da obra, uns incompreensíveis três vírgula quarenta e sete centímetros por dia útil, segundo medições participativas efetuadas pela vizinhança com recurso a uma fita métrica de infravermelhos. Nem a ilusão do regresso é possível, perdido que está entre o entulho, o saibro, nem este ardor no peito aprende a dormir num futuro indesejado. A recordação de como a rua era antes de os trabalhos terem começado dilui-se, já, naquele lugar da mente onde estão os rostos dos queridos que nos morreram e que só as fotografias podem recuperar; mas por ora não se antevê o refrigério que o pó, manifestação maior da nossa passagem, concede ao pousar sobre a costela-de-adão a um ritmo compaginável com as restantes tarefas domésticas. Alerta às entidades, que a esperança, quando morre, não deixa cinzas das quais possa renascer.