A nota de hoje diz respeito à relação, ainda pouco estudada, entre Lazar Slavick e August Strindberg (1849-1912). É provável que o primeiro contacto tenha tido lugar em Berlim, no famoso Zum schwarzen Ferkel , local de encontro habitual para o círculo nórdico e que ambos frequentavam. Presume-se que tenham chegado à cidade pelos mesmos anos, apesar de serem rotineiras as estadias de Slavick já que, à época, frequentava assiduamente o Museum für Naturkunde, sobretudo por causa do exemplar Archaeopteryx lithographica que o museu possuía. Apesar do interesse de ambos pelas ciências naturais, acabou por ser a fotografia que os aproximou e que, como teremos ocasião de ver em notas futuras, foi responsável por um diálogo intelectual intenso em torno da natureza do fotográfico. Slavick relacionava a imagem fotográfica, tendo em conta quer o processo técnico quer a sua relação com a realidade aparente, aos fósseis que tantas questões lhe levantavam, sobretudo aquele que admirava diariamente no museu, que se assemelhava a uma inscrição num suporte físico e que podia resumir como a transformação do mundo em imagem por via do tempo. Essa sedimentação na superfície sensível era uma das ideias que desenvolvia na fotografia e que foram ao encontro das preocupações que Strindberg tinha em relação à utilização do dispositivo fotográfico. É assim natural que encontremos, cerca de dois anos mais tarde, na correspondência entre ambos, um pedido deste a Slavick para que interceda junto de um astrónomo francês, Camille Flammarion (1842-1925) no sentido de este lhe dar resposta às questões que lhe tinha enviado juntamente com alguns exemplares de experiências recentes da sua autoria e que tardavam em chegar (1). Slavick tinha então regressado a Paris, que tinha tornado na sua morada mais estável, e como se movia bem nos círculos científicos e fotográficos da época, com as suas colaborações regulares com a Société française de photographie, era a pessoa ideal para fazer a ponte entre os dois. Apesar dos esforços, na verdade Flammarion olhou as experiências de Strindberg com um desinteresse notável, não tendo sequer entendido com rigor de que se tratava. Falamos, claro, das famosas Celestografier a que Strindberg se tinha dedicado no inverno de 93-94, após ter regressado de Berlim, um conjunto de experiências fotográficas sem câmara, em que a superfície sensível do papel, por vezes já mergulhado na química, é exposta diretamente à luz das estrelas. Eliminando o dispositivo técnico, não era só a própria matéria do universo que se depositava e fazia imagem, como também o acaso tinha um papel fundamental neste agenciamento. Do papel do acaso na criação artística, haveria nesse mesmo ano de 94 fazer publicar um texto sobre o assunto numa revista de Paris e a que não terá sido alheio o encorajamento de Slavick (2). Este interesse que Strindberg nutria pelas novas tecnologias do ver, será sempre acompanhado de uma reflexão teórica longe das descrições técnicas que eram vulgares nas revistas da especialidade e nas comunicações que eram feitas nas sociedades científicas e fotográficas da época (3). É aqui que encontramos um dos pontos mais fortes que os aproximava. Slavick também tinha um percurso experimental muito marcado na sua produção fotográfica, como já tivemos oportunidade de ver em algumas das raras ocasiões em que foi possível mostrar o seu trabalho.
A imagem que ilustra esta nota (4) faz parte de um lote de experiências de exposição direta sobre papel, com química diversa da habitual, já que alguma da coloração não é compatível com a usual degradação que é costume encontrar. Na sua essência trata-se de um quimigrama, em tudo semelhante aos que ainda hoje se produzem. Sabemos que o papel utilizado não é preparado industrialmente, já que se trata de um vulgar papel pautado, de escrita, cujas linhas se podem observar com alguma facilidade. A data de produção não é certa, mas sabemos pela correspondência com Strindberg (5) que, na mesma época, também estava a experimentar diferentes soluções químicas e trabalhava igualmente sem câmara.
- Carta de Strindberg a Slavick, datada de abril de 1894 [SLA/LS/CORR/1894-FR-062]
- Des arts nouveaux ou Le hasard dans la production artistique, in Revue des Revues, 15 novembre 1894
- Ver, por exemplo a interessante reflexão de Strindberg sobre os recentes Raios-x em Über die Lichtwirkung bei der Fotografie. Betrachtungen aus Anlaß der X-Strahlen (1896)
- Arquivo Slavick [SLA/LS/VIS/EXP-C012-005]
- Carta de 5 de fevereiro de 1894 [SLA/LS/CORR/1894-FR-034] onde Strindberg agradece as sugestões sobre o modo de preparar a albumina e das diferenças obtidas nas manchas resultantes da simples exposição à luz, pedindo que ele lhe envie amostras do seu trabalho.