Número 18

22 de Janeiro de 2022

NOTAS DO ARQUIVO

Notas do Arquivo

FRANCISCO FEIO

SLA/LS/VIS/EXP-C018-022

Ainda da época das experiências de Lazar Slavick em torno das técnicas que colheu em Strindberg (1), encontramos este exemplar, impresso em papel salgado, que aparentemente mistura uma impressão de um negativo tradicional, um fotograma e um quimigrama. A ordem apresentada não é totalmente arbitrária. A imagem base apresenta um conjunto de linhas que formam uma estrutura geométrica e que corresponde a uma tentativa de impressão de um negativo de papel que se encontra rasgado dos lados, o que terá produzido as manchas negras nos bordos laterais.  Há uma sobreposição de uma textura que parece ter sido feita numa fase posterior e os dois círculos são resultantes do contacto com uma substância química que poderá corresponder à base de um recipiente cilíndrico, como é costume encontrar nos laboratórios fotográficos (2). Este tipo de experiência está descrita nos seus cadernos com algum rigor, com notas sobre a ordem de aplicação da química e sobre as sucessivas camadas que vai acrescentando. Podemos pôr a hipótese, quase certa, de que neste caso estas sucessivas camadas possam ir apagando informação das camadas anteriores por incompatibilidade química, o que é muito comum quando se misturam diversas técnicas (3). O lado mais interessante destas descrições não se prende com o processo em si, mas sim com os resultados obtidos. A imagem final torna-se pretexto para uma reflexão sobre a natureza da imagem fotográfica, muitas vezes acabando por enveredar por caminhos onde a poesia acaba por tomar as rédeas da narrativa. O que nos leva a um ponto interessante que é o reconhecimento, por Slavick, do processo fotográfico enquanto potenciador de sentido, trazendo ao olhar novas formas de entender a matéria do visível, não na sua aparência mais trivial (que é o apanágio corrente da fotografia), mas a um nível mais profundo, quase fenomenológico. Há um nível simbólico no plano da representação que Strindberg também perseguia e que virá a ser recorrente em diversas fases da história da fotografia, sendo a ocorrência mais (re)conhecida a de Stieglitz e dos seus equivalentes ou ainda o seu desenvolvimento por parte de Minor White. Não queremos com isto, obviamente, pôr lado a lado produções de níveis tão distintos, apenas chamar a atenção para o facto de muitas vezes  Slavick preceder, em diversos aspetos, questões que acabaram por se tornar significativas na prática fotográfica. Interessante também, notar o facto de Slavick, ao contrário do que acontecerá mais tarde, não necessitar de uma imagem claramente identificável em termos de representação (ou seja, poder manter-se num nível puro de abstração). Este afastamento da dependência da realidade visível que condiciona a prática fotográfica tradicional, permite a Slavick trabalhar a natureza do dispositivo e do processo, aproximar-se daquilo que é o puramente fotográfico, não só em termos de matéria como de representação. Esta atenção à especificidade da disciplina é sem dúvida uma das marcas da sua precoce modernidade.

  1. Ver Osso 1
  2. Para além de uma contaminação química que alastrou por toda a prova e enegreceu as zonas expostas à luz de um modo que não ocorre nas normais provas em papel salgado.
  3. O que poderá explicar o elevado nível de abstração da imagem original.