Em 1919, Lazar Slavick anda num périplo pelo pacífico sul, primeiro numa expedição científica organizada pela academia de ciências e letras norueguesa (1) e mais tarde a bordo de um navio de carga após ter abandonado a expedição e passado cerca de um mês entre ilhas de que nem o nome fixou. Slavick fica com o seu equipamento e explora intensivamente a paisagem das ilhas, fazendo experiências com química que prepara com as águas sulfurosas que encontra, criando diferentes tipos de fixador fotográfico.
Faz alguns negativos em colódio, que na maioria terão corrido muito mal, a julgar pelos comentários que escreve no seu caderno (2). Os problemas prendem-se sobretudo com questões relacionadas com a química utilizada. Até hoje, nunca foram encontrados nenhuns destes negativos, que se julga terem sido perdidos na viagem de regresso. Era um problema comum com os negativos de vidro e o próprio afirma que as poucas placas com que ficou na ilha chegaram inteiras por milagre.
Com mais frequência utiliza o negativo de papel, muitas vezes feito com páginas arrancadas ao seu caderno, o que acontece igualmente com algumas provas positivas. É de um lote dessas impressões que trouxe consigo, a imagem que hoje ilustra esta nota. Tendo em conta a descrição que encontramos no seu caderno sobre o aparente desastre com o colódio, bem como a falta de algumas marcas típicas da utilização dessa química, esta é certamente uma prova oriunda de um negativo de papel. E quanto a estas provas, sabemos que Slavick quis repetir as experiências que tinha feito quatro anos antes, na altura da sua paragem forçada nos Açores (3). Referiu-o tanto na época, como em algumas notas que tomava enquanto experimentava no seu laboratório. Lembrava-se das águas sulfurosas que experimentou e, sendo o enxofre um dos componentes do fixador, Slavick fez questão mergulhar as provas nas fumarolas aquosas e espessas que ia encontrando. O negativo era feito de modo convencional, encontrando-se muitos em bom estado de conservação. Já os positivos apresentam-se com elevado grau de degradação. A lavagem das provas era feita normalmente mais tarde com água do mar e ainda hoje podemos encontrar restos de química agarrada à superfície do papel, o que acontece nesta imagem. Nada disto contribuiu para a estabilidade da prova ao longo do tempo e não podemos saber hoje como era ela na altura em que foi feita. Não que isso preocupasse de algum modo Slavick; antes pelo contrário. Esta ideia da imagem se ir alterando e reconstruindo na passagem do tempo, eventualmente acabando por desaparecer, era para ele uma parte importante de um processo que via na fotografia não uma arte de parar o tempo, antes o registo vivo dos efeitos do próprio tempo. Tal como o resto do mundo que registava, a fotografia ia também envelhecendo ainda que a uma velocidade diferente. Tal como as memórias se desvanecem e dirigem ao esquecimento, também as imagens se iam transformado, apagando, esquecendo a sua origem. E este desaparecimento da imagem inicial centrava a atenção no próprio objeto que é a fotografia, nas suas particularidades, nos seus detalhes e na sua superfície que apenas nos deixa ver subtis vestígios do que esteve em frente à câmara ou à camada sensível do suporte fotográfico. Era isso que gostava na abstração e nas experiências que fazia constantemente mesmo sem o uso da câmara. A capacidade da matéria fotográfica se transformar em matéria significante.
- Det Norske Videnskaps-Akademi i Kristiania
- « J’ai fait quatre autres négatifs au collodion. Ils sont beaux à regarder, mais impossibles à imprimer; il ne serait pas possible d’obtenir une image dans des conditions. Je ne sais pas non plus si ce serait une bonne idée. Pour moi, l’image finie est là.» SLA/LS/MISC/N57
- Ver Osso #4