Muito pouco se sabe desta fotografia e subsistem algumas dúvidas quanto à sua autoria, já que é uma imagem única. Apareceu num envelope com algumas anotações dispersas sobre relojoaria, mecanismos de precisão e medição do tempo. Mas existem outras que nos permitem adiantar algumas pistas sobre o significado e a razão da existência desta imagem no arquivo.
Há uma referência explícita a um nome, o de Albert Billeter (1) e a Espanha, mas pouco mais existe. Sabemos que por estes anos Slavick viajou extensamente pela península (2) e que um dos temas que o interessaram foi exatamente este, o da perfeição mecânica da medição do tempo.
Sabemos, que apesar de ter uma viagem marcada para Barcelona, acabou por desistir e regressar a Paris, por motivos pessoais, mas terá voltado mais tarde. Tudo nos leva a crer que esta fotografia se refere ao famoso relógio astronómico que Billeter construiu e que se encontra no atual Congreso de los Diputados em Madrid e que foi objeto de longas reflexões de Slavick sobre o tempo, a sua perceção, a sua medição e o modo como a fotografia o poderia entender. E é aqui, que podemos encontrar os pensamentos mais interessantes, no que ao tempo diz respeito, em Slavick.
Diz ele (3) que, independentemente do tempo de exposição, que sabemos ser necessário a toda a fotografia, há uma relação com o tempo linear, o da história, que era muito complexa e que por vezes ele tinha dificuldade em explicar. Aquele momento preciso em que era feita a fotografia, era ao mesmo tempo, o tempo de muitos outros acontecimentos que não ficavam na fotografia. Mais, ele dizia que esse tempo, por mais breve que fosse (e falamos de tempos de exposição que nada têm a ver com os tempos ínfimos da atualidade), era sempre uma duração, um espaço entre o início e o fim da exposição, e que essa duração fazia parte natural e necessária da imagem final (4).
Este era um dos fascínios de Slavick pelos relógios. O modo como o lembravam desta dissonância entre o tempo da fotografia, o seu tempo, da sua perceção e o tempo rigoroso, sujeito a uma norma respeitante a uma medida que nada lhe dizia. Gostava da diferença dos fusos horários e escreveu que saber sempre o tempo de Paris era bom; dava-lhe uma noção diferente do tempo em que vivia. Dizia que tinha adotado o tempo de Paris como o seu tempo, ele que vivia a maior parte do ano no centro da europa. Qualquer acontecimento, tinha de o referenciar sempre à hora de Paris (5). Há um tempo simbólico que para ele é mais importante. O tempo de fazer a fotografia (não que isso interesse a quem vê a fotografia; raramente alguém liga a isso). Mas era algo que ficava registado. Como aqueles ponteiros de um relógio que ninguém sabia exatamente o que queriam dizer. A determinada hora (estaria o relógio certo, a funcionar), alguém tinha olhado para ele e tinha marcado o momento da fotografia. Para Slavick, o momento era outro; seria sempre outro.
Quanto à imagem, ela parece resultar da impressão de um negativo de vidro (há marcas ligeiras que parecem resultar da junção de fragmentos de um negativo quebrado), mas nem o positivo está completo, como não existe qualquer referência a um negativo específico. A prova positiva encontra-se rasgada, o que parece indicar que tenha sido impressa apenas para ilustrar parte do pensamento de Slavick sobre a questão da representação do tempo na fotografia.
- Albert Billeter (1815-1894) famoso relojoeiro de origem Suíça que entre 1854 e 1870 se estabeleceu em Barcelona e foi autor de algumas das mais extraordinárias peças de complexa relojoaria como os relógios astronómicos de que são exemplos o existente no parlamento em Madrid e outro na Real Academia de Artes e Ciências de Barcelona.
- Ver noutras notas, referências às visitas a Portugal
- SLA/LS/MISC/N28 pág. 34 e seguintes
- O que explica muitas das imagens de Slavick, que podem parecer imperfeitas do ponto de vista técnico, mas que correspondem, inteiramente, a um pensamento preciso, e precoce, sobre o ato fotográfico.
- Anos mais tarde, mudou a referência para o leste da Europa, para os limites do continente. Dizia que gostava de se referenciar nos limites. Dava-lhe uma outra perspetiva do tempo.