Alvin Langdon Coburn (1882-1966) e Lazar Slavick encontraram-se por diversas vezes nas duas primeiras décadas de novecentos e mantinham uma relação discreta de mútua admiração pelo trabalho um do outro. Coburn virá a oferecer-lhe um exemplar da sua The Octopus, Madison Square Park (1909) e Slavick tinha na sua posse uma prova da The Flatiron Building, Evening (1910–1911) que terá adquirido por intermédio de um amigo americano. Terá oferecido a Coburn, segundo uma referência escrita num dos seus cadernos, uma prova da mesma série a que pertence a imagem que ilustra esta nota(1).
Tinham-se conhecido por mero acaso em Paris, em 1901, no estúdio de Robert Demachy (1859–1936) (2), quando Coburn vem pela primeira vez à Europa. Em 1903, Slavick visita em Bruxelas o Troisième Salon organizado pelo L’Effort—Cercle D’Art Photographique (3), nas Galeries de la Société Royale La Grande Harmonie onde está exposta a loan collection of the Photo-Secession da qual faz parte uma seleção de obras de Coburn. No ano seguinte reencontram-se em Londres durante a primeira estadia do fotógrafo de Boston na capital e para onde se haverá de mudar definitivamente em 1912. É durante este período que falam sobre as diversas técnicas de impressão que ambos utilizam e sobretudo sobre a técnica mista de Coburn que se socorria da platinotipia e da goma bicromatada (esta última sobre a primeira, que era a base estável sobre a qual Coburn trabalhava). Terão também falado de outras questões técnicas como por exemplo a objetiva que utilizava na captação dos seus negativos, uma objetiva especial, de foco suave, que tinha sido produzida especialmente a seu pedido.(4) Em 1906 visitou a exposição de Coburn em Londres, na Royal Photographic Society of Great Britain acompanhada de um importante texto de George Bernard Shaw que foi republicado no número 15 da Camera Work (julho de 1906) de que Slavick era assinante. (5)
Para além do interesse na obra em si e no pensamento de Coburn, o que os tinha aproximado em primeiro lugar foram as questões técnicas, ainda no atelier de Demachy, cujas qualidades enquanto impressor fascinavam Slavick. Com ele experimentou a fundo todas as técnicas que Demachy utilizava, nomeadamente a goma bicromatada e, posteriormente, o bromóleo. Também a fotogravura, como já foi referido em notas anteriores, sobretudo por causa das reproduções comerciais que produzia, técnica que era cara a Coburn e que este utilizava em muitas das impressões que fazia diretamente dos seus negativos. No caso desta imagem, Slavick usa a cianotipia, técnica de que gostava sobretudo pelas tonalidades azuis que as provas ganhavam e as quais gostava de manipular dando-lhes profundidades diferentes, a que acrescenta por cima uma impressão em goma bicromatada que lhe confere uma superfície subtil de cor. A prova está bem conservada e foi tratada com uma fina camada de cera que lhe oferece duas características particulares: um tratamento de superfície algo acetinado e uma semitransparência que dá ideia de uma possível utilização posterior da prova (como interpositivo, por exemplo).
Quanto à imagem em si, trata-se de uma fotografia de um torso de Apolo (?)(6) que se apresenta ligeiramente desfocada. Slavick tinha discutido este tema com Coburn, o da visão difusa, do movimento do olhar e da câmara, da lentidão do ver e da velocidade do mundo moderno. Segundo as suas notas (7), o negativo original estará focado e terá feito uma primeira impressão focada. Tentou depois manipular a impressão, por contacto, não deixando negativo e futuro positivo ficarem completamente encostados, o que gerou zonas desfocadas no positivo. A certa altura, resolveu refotografar a impressão original, mais perfeita, desfocando-a ligeiramente. Segundo Slavick, através desta falta de nitidez, a imagem tinha-se tornado fluida e requeria um tempo maior de observação por parte do espetador que teria de (re)construir na sua mente o corpo representado. Esta ideia da fotografia como não sendo uma mera reprodução da realidade, mas um instrumento de construção e reconstrução do visível, traz a obra de Slavick para a modernidade.
- SLA/LS/MISC/N40
- Robert Demachy (1859–1936), fotógrafo pictoraista francês, conhecido sobretudo pela qualidade pictural que imprimia às suas provas fotográficas
- O L’Effort—Cercle D’Art Photographique, fundado em 1901 e ativo até 1910, data da sua dissolução, afirma-se como um espaço de integração da fotografia na arte do seu tempo, incorporando nas suas exposições fotógrafos de várias nacionalidades
- Ver fac-símile de artigo dactilografado por Coburn, cerca de 1950, nunca publicado, manuscrita in BRANCHINI, Valentina e ROMER, Grant, The Photographs of Alvin Langdon Coburn at George Eastman House, A Characterization Study of Materials and Techniques, Rochester, 2009
- Camera Work, revista fotográfica quadrimestral, editada por Alfred Stieglitz (1864–1946) entre 1903 e 1917 e que é um marco importante na reflexão sobre a fotografia e a modernidade. Era ilustrada por fotografias de autores que gravitavam em torno de Stieglitz e da sua galeria The Little Galleries of the Photo-Secession, mais tarde conhecida por 291 (o número da porta na Quinta Avenida, em NY). A revista publicou vários portfolios de Coburn, republicou o texto de Bernard Shaw (também ele fotógrafo e colecionador d efotografia) de introdução à exposição de Londres, alguns textos críticos e um texto do próprio Coburn de reflexão sobre o tempo na arte: The relation of time to art, in Camera Work No 36, Julho 1911
- Eventualmente terá sido feito num dos museus que frequentava e onde regularmente fotografava. Há algumas referências a algumas visitas feitas à coleção de um grande colecionador que tinha conhecido em Londres e onde tinha fotografado, entre outras peças de escultura, um perfeito e belo torso de Apolo. Estamos em crer que será a este que se refere.
- SLA/LS/MISC/N40